* Psiquiatra, psicoterapeuta
A sabedoria popular costuma ser sábia e os ditados tendem a fazer sentido. Não concordo, porém, com este: "Para bom entendedor, meia palavra basta." O certo seria: "Para bom entendedor, meia palavra não basta!"
Certa vez, sentei-me à mesa com dois amigos que já estavam almoçando. Depois de comermos, um deles me pediu para deixá-los a sós, pois tinham um assunto particular para conversar. Passado um breve estranhamento, aplaudi essa atitude madura, sem meias palavras.
Em outra ocasião, um paciente entrou no consultório e falou: "Que cheiro bom de café!" Seguimos com nossa conversa, até que o interrompi, perguntando se sua observação anterior não tinha como fundo um desejo de receber uma xícara para tomar. Respondeu que era exatamente isso. E falamos sobre como as meias palavras nos distanciam daquilo que queremos – de um café a uma bela promoção no trabalho.
Um amigo se interessou por uma moça e a convidou para jantar. Receosa, ela perguntou: "Acaso tens segundas intenções?" Com presença de espírito, ele disse que "não", mas que tinha "segundas, terceiras e quarta intenções" em relação a ela. Não usou meias palavras e a relação entre os dois evoluiu saudavelmente.
Meias palavras (como qualquer comunicação) podem ser verbais ou não. Além de ser algo desnecessário e ineficaz, não deixa de ser um infantil, de quem se vê muito importante, ao ponto de os outros terem de descobrir o que se pensa de fato. As crianças são assim: imaginam os pais como seres superpoderosos, capazes de entender seus choros, suas birras, e de dar-lhes aquilo que pedem com meias palavras, com atitudes oblíquas.
As meias palavras nos tiram a potência diante da vida. Mas por que é tão difícil dizermos para alguém, com toda clareza, sem afetações, que não concordamos ou não gostamos de algo? Na vida adulta, com o objetivo de não desagradar e de sermos admirados por isso, valemo-nos de uma forma de comunicação infantil. Porém, para que sejamos verdadeiramente admirados e valorizados e para que atinjamos nossos objetivos, só temos um caminho: a verdade. E a verdade é construída com palavras completas.