Não sei se você viu, como eu, o José Dirceu estacionando seu carro novo em um shopping aqui de Porto Alegre. Ou teve o desprazer de encontrar o Eduardo Cunha pegando a mesma linha de ônibus que você. Ou aguentou o Joesley Batista bem na sua frente na fila do banco. Sim, todos eles estavam pela cidade na semana passada. E estão hoje, e na semana que vem, e durante o ano todo. Na hora, talvez, você não tenha ligado o nome à pessoa. Mas você os viu, com certeza. Você os viu naquele jovem que sentou no banco preferencial do ônibus enquanto a senhora idosa ficou em pé. Você os viu naquela BMW estacionada em duas vagas ao mesmo tempo. Você os viu naquele carro parado na vaga de idoso sem nenhuma ruga ou cabelo branco ao volante. E os viu também naquele pai parado em fila dupla para largar o filho na escola, porque isto também é a velha frase "os fins justificam os meios". E naquele outro que. E naquela outra que. E em todos os outros que, empoderados apenas por si mesmos, levam vantagem com a apropriação do espaço público para seu benefício próprio.
Quem dera um dia saberemos ser uma sociedade que não apenas reclama ou protesta, mas que sabe respeitar a coisa pública em todas as suas instâncias e circunstâncias. Um povo formado por gente que não apenas constrange o outro, mas que também fica constrangida quando desrespeita a lei ou, simplesmente, o outro. Uma sociedade que não separa a falta de ética de quem rouba 1 milhão ou 1 milho. Que percebe que o dinheiro da Petrobras, um aval do BNDES, o assento do transporte público, o monumento da praça, a rua e a calçada são apenas partes da mesma grande coisa pública que serve, ou deveria servir, igualmente a todos nós, ou especialmente aos especiais (idosos, pessoas com necessidades especiais, etc).
É fácil falar dos que se acham donos do poder, do governo e das estatais, mas eles fazem uso da coisa pública para si próprios do mesmo jeito que alguém que usa indevidamente o banco do ônibus, bloqueia a rua, picha o monumento, estaciona onde não deve ou fura uma fila. Todos sofrem da mesma ausência de consciência coletiva e desfrutam de nossa apatia cívica. Se a violência nos rouba o espaço público por medo, a falta de vergonha, a desfaçatez e o abuso individual nos roubam a coisa pública por indolência. Viramos todos cúmplices de nós mesmos, porque, em certo momento, também precisaremos da complacência do outro.
Parece pouco diante da corrosão de nosso tecido político-social, mas a nossa relação com o espaço público precisa urgentemente ser revista. Se não cuidarmos de uma coisa que é nossa, e exigirmos cuidado, passamos a achar que não é nossa. E aí qualquer um pode fazer o que quiser com ela. Como estão fazendo em Brasília ou aqui do seu lado.