* Arquiteto, urbanista, escritor
Uma das cenas mais grotescas e repugnantes estampadas na imprensa delata a decadência urbana brasileira – a cracolândia – este acampamento de drogados ambulantes pelo espaço público da mais rica cidade brasileira, qual senhores absolutos e paradoxalmente arrogantes e desvalidos da cidade. A ralé soberana. A paisagem retrata com tons sombrios a destruição da cidade, refletindo neste escorço o relaxamento moral do país, subordinado ao vício das drogas. As pessoas sadias, operosas, contribuintes impositivos do Estado de direito, assistem impotentes aquele cancro inabalável do crime urbano. Desta tolerância oficial a se arrastar por anos, onde instituto oficializado de Direitos Humanos foi omisso e, na prática, coadjuvante da devassidão física e moral exposta em via pública, emerge surpreendente um personagem decidido a combater o mal explícito – o novo prefeito de São Paulo, João Doria. Eis quando o imperativo da ordem social impõe varrer a mazela urbana, aquela instituição totalmente ausente de ação sanitária em todo correr do antanho, irrompe de sua inação para insurgir-se contra o prefeito; como se a cidadania produtiva, civilizada, apreciadora da ordem urbana, protetora da saúde pessoal e social do cidadão, agredida pelo quisto delinquente invasor das vias públicas, não devesse ser o foco da proteção dos Direitos Humanos – o direito elementar de ir e vir, de usufruir as benesses de sua cidade para a qual destina seus impostos. Ao enfrentar aquela autoridade que ousou corrigir a injustiça, inverteu o objetivo legal e racional da saúde pública – ao invés de proteger a população dos ataques dos drogados, das cenas ofensivas por eles escancaradas aos olhos infantis. Quando Oswaldo Cruz estabeleceu a vacina condição obrigatória contra a varíola, Rio de Janeiro de 1904, encontrou violenta reação popular; a população a quem a vacina se destinava a defender preferia a varíola. A racionalidade se impôs, felizmente. O mesmo se espera hoje das autoridades de São Paulo e do Brasil: encarar o urbanismo como intérprete e agente dos Direitos Humanos.