* Advogado e professor da Escola de Direito da PUCRS e da FMP
O tsunami formado pela Lava-Jato revelou um sistema político degradado pela corrupção. O Estado é capturado por um inescrupuloso poder econômico que, em conluio com uma degenerada elite política, corrompe valores básicos de uma República. Avilta-se a cidadania, o tecido social se decompõe.
A consequência é o crescer da desesperança – e o recolhimento das pessoas para a esfera privada de suas vidas. Como consumidores silentes, alimentamo-nos de um cardápio apodrecido, elaborado por cozinheiros com mãos sujas. As mãos sujas da corrupção. O funcionamento do Estado, que deveria administrar a esfera pública e normatizar a vida coletiva, é exposto cruamente por delatores. A mercantilização política estabelecida sustenta governos que se deslegitimam. E a desigualdade social recrudesce, políticas públicas são abandonadas, o desemprego aumenta e a criminalidade atemoriza uma sociedade desesperançada.
Nesse cenário, movido pelo forte instinto de sobrevivência, a classe política acena com discursos ilusórios, propondo novas eleições. Com as regras que estão postas, novas eleições apenas pintariam com verniz uma casa cujas fundações estão corroídas. Ao mesmo tempo, tratam de aprovar uma legislação sobre o abuso de autoridade que constrange magistrados e criminaliza suas atuações – ao invés de suas decisões serem rediscutidas por recursos processuais. E, como pano de fundo, seja pela morosidade do Judiciário, em especial de suas instâncias mais elevadas, seja pela cultura da conciliação, tão praticada pela elite, corre-se o risco de ver a impunidade triunfar.
Operações policiais, prisões, conduções coercitivas não purificam um sistema político tão contaminado como o que temos. Talvez a recuperação de uma distante soberania popular, com um denso controle e pressão da sociedade, seja mecanismo que permita sonhar com mudanças reais. E que, ao fim e ao cabo, como disse o poeta, um tempo de alegria nos acene por trás do terror.