* Professor da Unipampa/ São Borja
No livro O escritor e seus fantasmas, o argentino Ernesto Sabato elabora, em um de seus ensaios, um breve percurso histórico para fundamentar o argumento da arte como forma de conhecimento. Para o autor, desde Sócrates, só seria possível alcançar o conhecimento mediante a razão. No entanto, esse ideal racionalista perdera a força com os românticos quando estes reivindicaram a emoção, também, como fonte do saber a ponto de Kierkegaard afirmar que "as conclusões da paixão são as únicas dignas de fé".
Exageros à parte, é evidente que não se conhece uma cidade estudando sua cartografia, tampouco o ciúme e o ódio nada acrescentam a teoremas matemáticos. Contudo, a afirmação de Ernesto Sabato de que "vastos territórios da realidade estão reservados para a arte" não deixa de provocar algumas reflexões importantes. Friedrich Schiller, filósofo e dramaturgo alemão, em Cartas sobre a educação estética do homem entendia, por exemplo, que arte serviria para unir a dimensão racional e sensível da natureza humana que, na sua concepção, estaria fragmentada em seus contemporâneos.
Em tempos sombrios ou em épocas de crise, a arte não só reflete a realidade como pode ser um elemento de resistência. É, também, por meio da arte que podemos vislumbrar caminhos, criar alternativas para um diálogo crítico e criativo com a realidade escapar de maniqueísmos habituais e, especialmente, reconhecer no outro uma face mais humana. A arte é, antes de tudo, essa possibilidade do encontro. Enfim, um mundo sem arte seria um lugar desesperado, como já escreveu Nietzsche.
Quando parte da sociedade aplaude defensores da tortura e discursos racistas, quando ainda é preciso lutar contra o assédio e contra agressão às mulheres, quando o nosso país lidera rankings de assassinatos a travestis e transexuais, talvez esteja na hora da arte nos redimir com uma de suas funções precípuas, como já escreveu Eduardo Galeano, qual seja, a de nos ajudar a olhar.