A memória está sujeita a abusos políticos. Marchezan lançou no último dia 15 sua programação da Semana de Porto Alegre com 497 eventos. Isso produz memória ou amnésia? No site http://aniversario.portoalegre.rs.gov.br/aniversario/ vemos que só há, na verdade, 429 atividades, ou seja, 15% a menos. Estranho.
A característica principal da programação de Marchezan é substituir atividades que lembram o passado da cidade por ações dos órgãos da Prefeitura no seu dia-a-dia durante a semana. Para isso, a estratégia adotada é a da multiplicação dos eventos. Como Jesus no milagre dos cinco pães e dois peixes (João 6:5-15) onde multiplicou alimentos para uma multidão, o prefeito contabiliza como nova atividade ações que fazem partes de um mesmo projeto, como as palestras do Seminário Porto Alegre segundo os escritores. Contabiliza também atividades escolares voltadas para as suas respectivas comunidades como parte de sua programação e faz isso no exato momento em que sua política educacional mais desagrada aos professores: usa o trabalho da categoria para a promoção de sua gestão enquanto que nos bastidores briga com a mesma. É só contabilizar: a base da sua programação são as iniciativas da SME, com aproximadamente 128 eventos que, junto com as da SMC, chegam a cerca de 209 eventos, 48,7% da programação.
O pior é a inclusão na programação de atividades típicas dos órgãos municipais. "Mutirão para melhorias de vias" – leia-se capina – é uma atividade de comemoração? "Inspeção veicular" e "Operação-orientação", ambas desenvolvida pela EPTC normalmente, comemoram o quê? Desde quando comemoramos o aniversário da cidade com "limpeza de lixo"? A melhor atividade que evoca o verdadeiro sentido de culto à memória é a Exposição "Porto Alegre pelo olhar dos fotógrafos", da Emef Aramy Silva, mas mesmo esta não é uma exposição da Prefeitura, é da Câmara Municipal. A apropriação corre livre e solta no governo Marchezan, seu problema é transformar atividades que já existiam em "festividades da cidade". Desde quando tratamos a obrigação pública como objeto de festa? Esse milagre dos números que transforma a obrigação em objeto de comemoração mata seu objeto, o aniversário da cidade.
Comemorar vem do latim "memorare", termo ligado ao grego mnemon, que significa que se lembra, que tem boa memória. Mnemon vem de mimnesco, que significa lembrar-se, pensar. "Comemorar é pensar", algo que se faz na ambiência de uma festa, mas não é a festa somente. A semana de Porto Alegre do prefeito não é uma comemoração da cidade, é somente a festa de uma administração que põe em evidência os serviços públicos que realiza mas não abre espaços para pensar a história da cidade.