Eis que o escândalo da Operação Carne Fraca, que expôs a péssima qualidade da indústria da carne brasileira, nos abriu a possibilidade de discutir o agronegócio, o desmatamento que causa, os agrotóxicos que ingerimos todos os dias jurando que comer salada nos torna mais saudáveis, o envenenamento do solo, o uso irrestrito de um recurso finito, a água, e a própria indústria da carne, que não só mascara a podridão da carne e mistura todo tipo de coisas inomináveis nela, mas cria animais doentes, à base de antibiótico, que produzem leite cheio de pus e outras substâncias que certamente não têm nada a ver com a vaquinha feliz estampada na embalagem exposta no mercado.
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Fizemos isso? Não, não fizemos. O pandemônio se deu entre pessoas carnívoras e pessoas vegetarianas e veganas, a discussão, que poderia expor e aprofundar muitas questões relacionadas a grandes empresas que visam apenas a exploração e lucro, não só de animais ou da terra, mas também de pessoas, posto que algumas das envolvidas têm denúncias de trabalho escravo, virou um embate absolutamente infrutífero e autocentrado entre os que batem no peito pra dizer que comem carne, sim, e os que batem no peito pra dizer está vendo?, sempre estivemos certos, carne é um horror! Sem levar em conta nenhum recorte social, nenhum recorte cultural usando um discurso absolutamente elitista, pois sabemos que a informação não é de fácil acesso e que a maior parte das pessoas, pessoas sofridas, trabalhadores que agora sequer direitos garantidos ou aposentadoria terão, não têm tempo de pensar nisso entre a vida dura e as três conduções que pegam do trabalho pra casa.
Isso sem nem mencionar que esse "vazamento" da operação da PF pode ter sido estratégia para mudar o foco das manifestações contra as retiradas de direitos trabalhistas que nem a Ditadura teve coragem de fazer. Cortina de fumaça é uma estratégia mais velha do que andar para frente, mas todos caímos sempre feito patos, ainda mais agora que as redes sociais servem como megafones de tudo que achamos que sabemos.
Somos todos péssimos. Não sabemos ouvir nem argumentar, não levamos em conta contextos de classe, acesso à informação, nada. Somos todos péssimos e preferimos ter razão a parar pra pensar. A carne pode ser péssima, mas nós também somos e perdemos a chance preciosa de debater sem bater no peito, babar nem pegar no braço sobre questões que dizem respeito a todos nós. Enquanto isso, a carne segue de péssima qualidade, os animais seguem doentes e tratados com crueldade, a água segue acabando, as florestas seguem sendo dizimadas junto com as populações indígenas que lá vivem, ou viviam, e falam sobre essas questões ambientais há anos sem serem escutadas, o solo segue sendo envenenado, assim como tudo que cresce nele, e as indústrias, que bancam campanhas políticas mais podres do que a carne que vendem, seguem lucrando loucamente. Estamos todos de parabéns. Seja churrasco ou salada, espero que essas palavras temperem seu próximo prato com um pouco mais de consciência.