Dr. Ulysses Guimarães contava que uma diplomata britânica lhe dissera sobre a dificuldade com o português. Dizia ela que era impossível entender. Quando se dizia "pois sim" era "não" e "pois não", era "sim".
Já a diplomata portuguesa reagia às fórmulas brasileiras do uso do gerúndio. "Quando vocês dizem 'estamos chegando', é porque ainda não saíram". "Quando vocês dizem 'estamos saindo', é porque não sairão nos próximos 30 minutos ou não virão".
É o uso brasileiro do gerúndio composto.
Não usamos para nos referirmos à conduta que ocorre no momento, que é a função do gerúndio. Usamos o gerúndio com valor de futuro – para indicar ações futuras.
Alguns criticam outro modismo, que chamam de "gerundismo". Atribuem esse uso à língua inglesa, pelo telemarketing.
Passamos a fazer uma tradução literal do inglês. Ouvimos: "O senhor vai estar recebendo um extrato...".
Além do mais, o gerúndio empurra a frase para frente e nos impede de terminá-la.
Graciliano Ramos dizia: "Fujo do gerúndio como o diabo da cruz". O velho Graça era autor de frases claras e curtas.
Em Portugal, a fórmula é "Estamos a chegar...".
Mas não é disso que tratava a diplomata portuguesa. Ela se referia ao uso brasileiro do gerúndio com um objetivo falsificador.
Informamos a realização de uma ação que deveria estar ocorrendo no presente (saindo, chegando etc.) e que, de fato, não está ocorrendo.
O gerúndio, que não serve para formar o futuro, passou a ser instrumento para uma mentira social sem culpa. Aliás, fazemos críticas ao português de Portugal, quanto a sua precisão.
O presidente Sarney conta que foi à Livraria Bertrand (Lisboa) e, interessado, perguntou se fechavam aos domingos. Responderam que não.
No domingo, ele foi à livraria e estava fechada.
Na segunda-feira, disse ao gerente que, naquele domingo, a livraria esteve fechada, contrariamente ao que informaram. O gerente respondeu que ele não entendera.
Não fechavam aos domingos porque não abriam. Para fechar teriam que ter aberto!
Essa forma de falar – estrita – nos surpreende. Nossa técnica é recorrer à ambiguidade e ao "não dito" – à lacuna. Fazemos isso com nossas afirmações – ambíguas e/ou lacunosas. Se o interlocutor as receber mal, reagimos com um hábil "não foi isso que eu disse, o senhor não entendeu". E, então, ajustamo-nos à nova situação. Não queremos nos comprometer e fugimos da clareza e precisão.
Machado, na Teoria do Medalhão, com ironia, já denunciava: "O adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário".
A isso se referia a diplomata portuguesa.
[Atentem para o título deste artigo – ambíguo].