A praia, depois da virada, ficou ótima. Meu pau te ama sumiu dos carros de som. Agora é "o pai te ama" na televisão. Uma amiga me telefona querendo saber por que estou quietinha. Digo para ela digitar "pai e filha" na busca do Google, para também preferir sumir um pouco. Talvez hoje o site já tenha reconfigurado os parâmetros da procura, mas o que apareceu, para nós duas, como resultado, foi a erotização do incesto.
Se para "pai e filha" a maior procura é pela relação sexual do genitor com a prole, posso deduzir que as meninas correm perigo dentro da própria casa. Céu canta que "é bom desconfiar dos bons elementos", e eu concordo com ela. Sim, tenho medo dos homens de bem.
"O pau te ama", quando migra das ruas para a televisão, transforma o "pau" em "pai". Penso no funk como quem pensa nos protossambas, nos proto-punks, nos proto-beats. Uma música popular que nasce para expor a sociedade àquilo que ela é. Não posso achar ruim.
Penso no que as americanas hoje sentem, na melancolia de Melania e na tristeza dos que sabem odiar. Na porta do hospital onde Marisa Letícia se recuperava de um AVC, gente de bem protestava. Dizem que há, na internet, pessoas desejando a sua morte ou um tratamento nos hospitais públicos cujo sucateamento a PEC 55 irá provocar.
Penso na noite de sábado para domingo do fim de semana passado, quando Douglas de Jesus Vieira, 28 anos, policial militar carioca, deu um tiro na própria cabeça em transmissão ao vivo pelo Facebook. Penso nas selfies sorridentes dos brasileiros com o bandido no aeroporto de Nova York. Penso nos imbecis, baba-ovos do capital privado. Penso nos ricos que, mesmo presos por desvios milionários, despertam a pena dos injustos. Quantas mortes ainda faltam matar Eike Batista, Sérgio Cabral e Marcelo Odebrecht, todos bandidos, para deixarem de serem dignos da pena dos homens de bem?
Se de cada quatro pessoas em situação de pobreza (recebendo até R$ 130 mensais), três são negras, somente do branco pode ser cobrada meritocracia. As fortunas brasileiras se constroem sobre o sangue negro. Ser negro não é ser imigrante. É ser escravizado, chacinado, roubado, agredido, punido, aniquilado de sua mais básica dignidade. O sangue negro derramado deformou qualquer possibilidade de igualdade social. O negro precisa ser reparado urgentemente, do contrário não haverá caminho para justiça social.
Minha amiga diz ser "necessário acabar de vez com as cotas para negros nas faculdades públicas". Está convicta de que "os negros precisam ser os únicos beneficiários das universidades públicas por, no mínimo, 20 anos, com cotas para brancos em situação de pobreza". Eu nunca havia pensado nisso, mas concordo com ela. Concordamos que só ficaremos tranquilas quando o 53% da população brasileira sair da senzala, da favela, do quartinho dos fundos. Negro na universidade pública talvez seja o único caminho para começar a se pensar em uma readequação social real, baseada no contexto histórico. Para se chegar a uma pátria menos violenta, será necessário o aparelhamento intelectual da parte mais pobre e vulnerável da população, o povo negro. Reservar o Ensino Superior público somente aos negros é separar para inserir.
Na praia, um homem passa vendendo redes, outro traz uma cartela de óculos de sol falsificados, um terceiro nos oferece milho verde... Todos subempregados. Todos negros. Enquanto isso, na frente das casas dos brancos, faixas comemoram o ingresso nas faculdades públicas. Até quando será normal ser assim?