Nos últimos anos, a ambição de cada vez mais pessoas é passar as horas livres com eles. Findos o expediente de trabalho e os afazeres domésticos, é hora do esperado date, que costuma ser no sofá – ou mesmo na cama, para os mais ousados. O encontro pode ser breve, mas geralmente se estende; às vezes vai madrugada adentro. Nos fins de semana, muitos acabam preferindo ficar em casa para desfrutar da companhia deles, que é sempre atenta e disponível, consonante com nosso humor do momento.
Esses companheiros das horas vagas – para os quais não raro vagamos horas – são mesmo de tirar o sono. Oferecem uma cornucópia de prazeres e emoções tão abundante que nem com uma vida inteira poderíamos desfrutar de tudo. Tão infinita é a oferta que às vezes o encontro se resume às preliminares: com tantas possibilidades, o tempo se esvai apenas na contemplação delas – o que é também um tipo de prazer.
Eles nos conhecem muito bem, pois sempre nos seduzem com novas ideias para passarmos mais tempo juntos. Mal terminamos uma rodada, já engatam outra na sequência; mal temos tempo de pensar se desejamos continuar. É difícil dizer não a esse prazer para o qual tão pouco precisamos nos esforçar – eles fazem quase tudo! Mas, se finalmente encerramos o encontro, eles aquiescem: não apenas não reclamam, como seguirão nos esperando, disponíveis, até o próximo.
Sabem também que somos sensíveis: nos incomoda ter contato com o que nos desagrada, não queremos saber do que não nos interessa. Atentos a isso, evitam ao máximo que aconteça, mas caso suceda, aceitam – até pedem! – que manifestemos nosso desagrado, para que não voltem a errar. E, diferentemente do que sói acontecer nas relações ordinárias, jamais voltam a repetir o que nos incomodou.
Ingratos que somos, porém, jamais ficamos 100% satisfeitos, apesar de seus esforços em estar ali apenas para nós. Lá pelas tantas, não mais nos basta tudo o que oferecem: sempre falta algo, justamente aquilo que desejávamos naquele momento. Resignados, nos contentamos com outra coisa, não sem registrarmos internamente, às vezes publicamente, nossa queixa. Mas mantemos a relação; já nos acostumamos às horas juntos, e sabemos que suas faltas são menores que as dos outros com quem nos relacionamos.
Mas eles têm um segredo que não nos contam: não são tão bonzinhos e desinteressados quanto aparentam. Até sabemos que querem nosso dinheiro, mas isso faz parte do contrato da relação, aceitamos. Porém, o que mais obtêm de nós é nossa dedicação a eles. Quanto mais tempo passamos juntos, mais eles aprendem sobre como funcionamos, e melhor sabem nos alcançar. Nos passam a sensação de estarmos no controle, a ponto de não nos darmos conta de como nos tornamos mimados e dependentes deles.
Esses companheiros perfeitos têm vários nomes: Netflix, Spotify, Facebook, Google, tantos outros serviços baseados em algoritmos – em outros termos, robôs – com os quais nos relacionamos na atualidade. Ao alimentá-los com o desejo errático que faz de nós voluntariosos e imperfeitos (o que ainda diferencia radicalmente a lógica humana da artificial), acabamos sendo nós os companheiros ideais dessas máquinas. Podemos não ser seus escravos, como anunciam algumas distopias, mas sua influência em nosso pensamento e comportamento está, como temos visto, longe de ser qualquer.
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.