Sim, este texto é sobre a Reforma da Previdência. Aliás, esta será a temática do ano. E, no tempo da "pós-verdade", irão se multiplicar manchetes, curtidas e compartilhamentos que contêm algumas meias-verdades e muitas mentiras inteiras. Por isso, quando se trata de um tema importante, precisamos abandonar as paixões, entender a situação e ter ciência das alternativas realísticas que se apresentam.
Para começar, vamos desconstruir uma ideia. Quando contribuímos para a Previdência Social, não há contas nominais formando fundos individuais que irão financiar nossa aposentadoria. Isso aconteceria se tivéssemos um regime de capitalização, que é o que ocorre nas previdências complementares ou nas privadas. Na Previdência Social brasileira tem-se um sistema de repartição simples em que todos os contribuintes aportam recursos em uma conta única que financia os que estão na situação de beneficiários, isto é, um sistema em que ativos financiam inativos. Num sistema como este existe uma solidariedade intergeracional, pois geralmente é a população adulta que atua como contribuinte e a idosa, como beneficiária.
Em 1966, quando a Previdência Social foi criada, éramos uma sociedade bastante diferente: famílias grandes, com muitas crianças e poucos idosos. Com esse perfil, um regime de repartição simples permitia facilidades para o acesso de benefícios, além de superávits revertidos em obras públicas e outros gastos. Entretanto, a demografia brasileira mudou numa velocidade ímpar no mundo. Enquanto na década de 1960 a fecundidade feminina era de 6,3 filhos, hoje é de 1,7. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida ao nascer, que em 1960 era de 52,5 anos, atualmente é de 75,5 anos. Traduzindo, nossa sociedade envelheceu rapidamente e o processo continua acelerando. O IBGE aponta que a população de pessoas com 60 anos ou mais será superior à de crianças e jovens (0 a 14 anos) já na década de 2030 e, em 2050, mais do que o dobro dela. Em 2060, o Brasil contará com cerca de 73,5 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. E, nesse contexto, a tal solidariedade intergeracional não suporta aposentadorias precoces porque simplesmente não temos população em idade ativa para financiar essa conta, a maior entre as categorias de aposentadoria do INSS.
Mesmo assim, você poderá se sentir incomodado em defender uma idade mínima para a aposentadoria, apesar da maioria dos países do mundo estabelecer. Você irá se lembrar de alguém falando que a idade mínima de 65 anos é uma injustiça para com os pobres que trabalham desde cedo. Entretanto, as estatísticas do INSS são claras ao mostrar que as pessoas mais pobres aposentam-se por idade, pois passam longos períodos na informalidade e, portanto, sem condições de se aposentar por tempo de contribuição em idades reduzidas. Além disso, em 2015, o valor médio das aposentadorias por tempo de contribuição foi cerca de 100% maior do que as aposentadorias por idade, apesar do efeito redutor do fator previdenciário, tipificando remunerações maiores ao longo da vida ativa. Assim, a aposentadoria por tempo de contribuição ajuda a piorar a distribuição de renda, e não o contrário.
Por fim, uma coisa ainda pode lhe desagradar: no Maranhão, Estado com a menor expectativa de vida ao nascer do país, com 70,3 anos, as pessoas "trabalharão até morrer". Fique tranquilo: isso não acontecerá! A expectativa de vida ao nascer é fortemente impactada pela mortalidade infantil e de jovens por causas externas (violência, trânsito...). Na questão previdenciária, o que importa é idade de sobrevida, isto é, o tempo de vida que a pessoa tem a partir de uma idade. No Brasil, a expectativa de sobrevida de alguém de 65 anos é cerca de 18 anos, isto é, ela deverá atingir 83 anos, sendo as diferenças regionais mínimas: sulistas e do sudeste, 84, e os demais, 82. Ter uma idade mínima para a aposentadoria não é mais uma escolha, é uma necessidade. Impedir isso custará caro ao Brasil e, de modo especial, aos mais pobres.