Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford e herdeiro progressista do liberalismo de Isaiah Berlin, escreveu uma das grandes obras deste 2016 que vai se encerrando. Falo de Free speech: ten principles for a connected world, livro que é resultado de uma ampla pesquisa sobre o tema da liberdade de expressão em diversas partes do mundo e que conta com uma plataforma digital (freespeechdebate.com) traduzida em 13 idiomas.
Há muito no livro de Garton Ash que deveria informar nossas reflexões sobre liberdade de expressão, discurso de ódio, censura e controle de informação por governos ou empresas. E não é preciso ir à China comunista para reconhecer que os problemas nesse terreno são reais: no Estado americano da Virginia, por exemplo, a censura ideológica do politicamente correto acaba de proibir os livros O sol é para todos, de Harper Lee, e As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain; no Brasil, dois juízes determinaram a quebra de sigilo telefônico de jornalistas em dois casos distintos, em gesto claramente inconstitucional, que atenta contra a liberdade de expressão.
Foi outra reflexão de Garton Ash, no entanto, que me veio à mente recentemente. Ao discutir os casos de discursos extremistas e de incitação à violência, situação em que restrições da liberdade fazem-se legítimas em democracias bem ordenadas, Ash evoca os entusiasmos por ideologias violentas ou francamente terroristas e totalitárias que muitos políticos, acadêmicos e jornalistas de hoje nutriram em sua juventude. Nos idos de 1968 e entrando na década de 1970, as simpatias por ideias marxistas-leninistas, trotskistas e maoístas ganharam estatuto de "febre intelectual" entre certa parcela da juventude europeia, que passou alguns anos glorificando o terror como forma de se fazer política.
Deveriam ter sido censurados? Os arroubos daqueles que se deixaram levar apenas em discursos pelas fantasias destrutivas de grupos como o italiano Brigate Rosse ou o alemão Baader-Meinhof deveriam ter sido punidos com a força da lei?
Há dois cenários aqui: de um lado, o celerado que resolve botar bombas por aí e matar pessoas inocentes em nome de sua causa, como os terroristas de esquerda dos anos 1960 e 70 gostavam de fazer; de outro, o dos aloprados retóricos que gostavam de impressionar sua plateia com a apologia à violência política, mas sem jamais chegar perto das vias de fato. A distinção faz sentido, mas algo em nós, que não pertencemos a nenhum desses grupos, produz uma repulsa não menos legítima e verdadeira a todos eles.
Foi o que senti ao constatar, novamente, que mais uma rodada de depredação, violência e caos organizada por grupelhos de esquerda contou com não pequeno entusiasmo da parte de supostos estudantes, professores e até jornalistas. A professora Rosana Pinheiro-Machado, da mesma Universidade de Oxford de Garton Ash, por exemplo, escreveu que os movimentos sociais deveriam se organizar e promover um "quebra-quebra em todo o Brasil". Devemos tratá-la como uma celerada praticante da violência ou apenas como uma aloprada retórica? Aqui em São Paulo, o colunista do jornal Folha de S.Paulo Guilherme Boulos, cujas atividades se resumem a invadir, depredar e destruir patrimônio alheio, aplaudiu (para dizer o mínimo) os ataques de seus sequazes à sede da Fiesp na avenida Paulista. Tomá-lo por mero retórico da violência física hoje é covardia inaceitável.
Nesses casos, o rigor da lei não deveria ser solidário com nossa repulsa?