Dois episódios ocorridos na última segunda-feira – a pressão do Ministério Público sobre o deputado relator das 10 Medidas contra a Corrupção e a manifestação reticente do presidente Michel Temer sobre a criminalização do caixa 2, no programa Roda Viva – acrescentaram mais combustível ao conflito cada vez mais explícito entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato e parcela expressiva de políticos do Congresso Nacional e do próprio governo. O Ministério Público Federal denuncia abertamente articulações de parlamentares para abafar a investigação que vem desvendando a corrupção no país. Deputados e senadores, especialmente aqueles que temem ser responsabilizados por práticas ilícitas até pouco tempo toleradas, acusam os integrantes do MP de vigilantismo e tentam frear, pela via legislativa, o que consideram abuso de autoridade.
Essa disputa de poder pode até ser interpretada como efeito esperado da crise política, mas não pode ganhar relevância a ponto de ameaçar as instituições. Depois do mensalão e da Operação Lava-Jato, o MP e alguns representantes do Judiciário assumiram merecido protagonismo, por suas atuações em favor da moralização da política e da vida pública. Mas este inegável avanço, conjugado com a degradação da política devido ao envolvimento de governantes e parlamentares com a corrupção, não pode ser levado à simplificação de mocinhos x bandidos, ainda que seja evidente o apoio da opinião pública aos investigadores e a sua rejeição aos investigados.
O Brasil precisa aperfeiçoar suas instituições, corrigir deformações históricas, punir os responsáveis por irregularidades, mas a democracia e o Estado de direito, com amplo respeito ao processo legal, têm que estar acima de tudo. Se criminalizar o caixa 2 é uma imposição da sociedade, que se aprove a legislação específica, sem autoanistias mas também sem perseguições políticas. Se conter o abuso de autoridade é também uma imposição da sociedade, cumpra-se a lei e a Constituição, sem exceções que possam chancelar qualquer tipo de autoritarismo.
Os brasileiros não podem aceitar qualquer tipo de decisão política que represente uma operação-abafa em relação à Lava-Jato, mas também devem se manter atentos para que juízes e procuradores não assumam a condição de justiceiros intocáveis.