As mortes em escala industrial da primeira guerra mundial modificaram os rituais de luto no ocidente. Eram tantas as perdas que era impossível lamentar cada uma. Desde então, e não só por isso, segue a paulatina erosão do luto comunitário. Diminuindo as manifestações públicas de pesar, o trabalho de assimilação das perdas se particularizou, o que era ruído e choro externo tornou-se sofrimento solitário interno. Nossos velórios atuais e seus desdobramentos são muito econômicos em relação ao passado recente.
Esquecemos que o espaço social dos velórios, ao velho modo, permitia algo mais: embora houvesse um personagem a ser pranteado, era um momento para extravasar o sofrimento, o que era particular derivava para o coletivo. Existia um momento social para a dor. Não é difícil perceber que quando estamos em um enterro lembramos dos nossos que se foram, e a questão era justamente essa: abrir a porta do pesar. Cada funeral servia para reencontrar-nos com o cemitério particular que temos na alma. Chorávamos o defunto, os que já se partiram e aproveitávamos para chorar a nossa própria finitude.
A atual epidemia de depressão não deve ser pensada deixando de fora que somos de uma época que desligou-se dos rituais que envolvem a morte, que interiorizamos o que era coletivo dificultando o luto. Fazemos pouco caso da morte, a elidimos na ilusão de que assim alcançaríamos mais fácil a felicidade.
Não por acaso estamos nos divertindo vendo morte a cada noite na TV. Não há limites para o número nem para os requintes de maldade. Sempre há um assassino e torcemos por um policial que restabeleça a ordem. Mas o verdadeiro culpado é a falta de peso da inscrição simbólica da morte. Uma das marcas de um trauma é a repetição incessante sem que isso gaste sua força. Ela insiste em nosso imaginário justamente por lhe negarmos a deferência exigida.
Use o dia de finados para pensar nos mortos, por respeito a eles e por respeito a nós mesmos. Se não criarmos um momento para olhar a dor da perda nos olhos, ela nos atacará pelas costas e, não vendo o seu rosto, nem saberemos pelo que sofremos.