A lei não retroage, mas a esperteza tem efeito retroativo e pode livrar da responsabilidade parlamentares que fizeram uso de recursos não contabilizados em campanhas eleitorais. É o que vêm tentando integrantes da comissão da reforma política, que querem submeter ao plenário da Câmara uma proposta que criminaliza o caixa 2, mas deixa margem para anistiar o uso de contribuições não declaradas à Justiça Eleitoral em eleições recentes. Esse é o momento de a sociedade se mostrar vigilante, antes que uma pretensa tentativa de moralização acabe se prestando para preservar quem se valeu de meios ilegais para financiar campanhas.
Em setembro, uma proposta dando margem à brecha para livrar quem fez uso de contribuições ilegais em eleições anteriores só teve a votação suspensa na última hora devido a uma manifestação contrária por parte de alguns parlamentares contrários à manobra. O risco permanece também no exame do pacote de uma dezena de medidas de combate à corrupção apresentado à Câmara pelo Ministério Público Federal (MPF), que estende a punição de caixa 2 aos partidos. O relator da matéria nega qualquer possibilidade de abrandamento, mas as pressões por parte de quem tenta evitar punições de atos cometidos anteriormente continuam.
A política brasileira não conseguirá avançar eticamente enquanto os congressistas continuarem resistindo à punição de quem recorre ao caixa 2. Como bem disse a ministra Cármen Lúcia por ocasião do julgamento do mensalão, o uso de recurso não declarado em campanha eleitoral é crime, sim, e considerar tal prática uma transgressão sem importância desmoraliza um estado de direito, em que todos devem cumprir a lei.