O instituto de foro especial por prerrogativa de função, também conhecido como "foro privilegiado", foi concebido na Constituição de 1988 com um destino nobre. Tinha por objetivo proteger funções essenciais à administração pública e os detentores de mandatos eletivos, como deputados e senadores, de eventuais perseguições. Ou seja, assegurar o equilíbrio e a separação entre os poderes da República. A realidade, porém, mostrou que é um privilégio incompatível com os valores republicanos, que está a serviço da impunidade e serve de guarida a um contingente de malfeitores.
A polêmica desencadeada pela nomeação de Lula como ministro da presidente Dilma Rousseff, para "escapar do juiz Sergio Moro", em março deste ano, demonstrou à sociedade a deturpação da finalidade desse mecanismo. Ao invés de resguardar a função, pode servir na prática para proteger os indivíduos da persecução criminal.
A prisão do ex-deputado Eduardo Cunha expôs as diferenças dos tempos da Justiça. A prisão de Cunha – um mês após ser cassado, perder o foro e transformar-se em cidadão comum – contrasta com a lentidão com que se arrastam os mais de 10 inquéritos contra o senador Renan Calheiros na Suprema Corte.
Para quem tem foro privilegiado, as horas se transformam em dias. E os dias, em anos, aumentando a sensação de impunidade.
Estima-se que 22 mil pessoas no Brasil gozem de foro privilegiado. Os processos contra deputados federais, senadores e ministros são analisados originariamente pelo Supremo Tribunal Federal, que só em 2015 julgou mais de 100 mil processos. No meio deste mundo, rodam atualmente 369 inquéritos e 102 ações penais contra parlamentares, e o prazo médio para recebimento de denúncias é de 617 dias.
É evidente que o Supremo Tribunal Federal não é a corte mais adequada para este tipo de juízo, o que inclusive já foi reconhecido publicamente por diversos dos seus ministros. Tramitam no Congresso Nacional diversas propostas de emenda à Constituição para extinguir esse privilégio, que não combina com uma democracia onde a lei é, pelo menos na letra fria, igual para todos.
Os ventos de mudança que sopram da Operação Lava-Jato e originaram a proposta das Dez Medidas Contra a Corrupção (PL 4850/2016), cujo objetivo é alterar o quadro de corrupção sistêmica, podem impulsionar também essa mudança necessária e urgente. A justiça que tarda falha. Por isso, é hora de acabar com o foro privilegiado.