Como já ocorre regularmente com as discussões políticas e econômicas no Brasil, a questão da PEC 241/2016 (PEC dos gastos) também tomou contornos apaixonados, no melhor estilo Gre-Nal. Ou se é contra, ou se é favorável. Fique neutro e será devorado por ambos! Aqui, não vou ficar neutro, mas também não estarei em nenhum dos lados estabelecidos. O futuro do país merece mais do que isso.
A dívida pública vem crescendo muito mais do que a economia, o que a transforma em um problema sério. A PEC é um dos dispositivos propostos para colocar o ajuste em curso: é definido que os gastos públicos primários não poderão crescer mais do que a inflação ao longo dos próximos anos. Mas, como é um teto global, é possível haver realocação entre diferentes tipos de gasto. Então, o argumento do governo é de que seria possível, por exemplo, que a saúde tenha seus recursos aumentados, desde que outro setor abra mão de algum repasse real.
Desta forma, temos um caráter pedagógico na PEC. Se um setor demandar mais recursos, caberá ao governo dizer se cede ou não, e também apontar de qual outro estará tirando o dinheiro. A ideia é que isso gere ambiente de maior transparência no gasto público. Aqui, a PEC acerta.
No entanto, essa realocação passa por um jogo de força política. E sabemos que a força dos vários setores da sociedade não é equilibrada. Os mais pobres são mais frágeis e enfrentam maior dificuldade em se fazerem ouvir e notar. Então, pergunto: seria razoável supor que o gasto público que mais os atinge, como em saúde básica, pode não receber incremento real, em benefício de outros setores ou de maiores superávits primários? Se sim, que tipo de manifestação teremos em defesa dos mais humildes?
Parece claro que o desequilíbrio de forças dos diferentes setores da sociedade tende a interferir na alocação de recursos futuros. Aqui, a PEC é ruim! Creio que fica apenas no campo da utopia a expectativa de que ganhos reais de recursos sejam prioritariamente alocados para rubricas que atendam efetivamente às camadas mais pobres. A PEC deveria contar com dispositivos que protegessem, já na largada, as transferências para elas, como programas sociais, saúde básica etc. Caso contrário, a conta do ajuste cairá majoritariamente no colo dos mais pobres, agravando a já absurda desigualdade brasileira.