Em abril do corrente ano, fui designada para atuar nos processos de adoção, bem como nas respectivas habilitações e procedimentos preparatórios.
Apurou-se que, em Porto Alegre, existiam 408 crianças e adolescentes aptos para adoção, dos quais 174 estavam inativos, ou seja, esquecidos, no "limbo", por anos, quando, em contrapartida, existiam pretendentes à adoção habilitados havia 10 anos, aguardando, também, a oportunidade de formar a sua família.
Para nossa surpresa, averiguando-se os motivos pelos quais os acolhidos encontravam-se indisponíveis para consulta, constatou-se que há um entendimento jurídico do Juizado da Infância e da Juventude de que é necessária uma prévia avaliação pelo órgão técnico correlato, o qual proferiu pareceres contraindicando a adoção, sob o argumento de que os acolhidos não estavam preparados psicologicamente para a colocação em família substituta ou estavam vinculados à sua família, não obstante a situação jurídica definida e o longo tempo de institucionalização, que evidenciava, de modo induvidoso, a inocorrência dessa reinserção familiar.
Sob esse enfoque, após o manejo de agravos de instrumento por esta Promotoria de Justiça, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado firmou o respeitável entendimento de que, em síntese, a inscrição de crianças e adolescentes no CNA exige critérios unicamente objetivos, que são a orfandade ou a destituição do poder familiar. Nessa perspectiva, descaberiam considerações de ordem subjetiva, as quais conduziriam à perda de uma, ou de várias chances, as quais jamais surgiriam se mantido inativado o cadastro no CNA, violando o direito fundamental à convivência familiar previsto na Constituição Federal e no ECA.
Assim, os desembargadores gaúchos, sensíveis à questão, estão modificando a triste realidade das nossas crianças e adolescentes que estavam condenados a perder a sua infância e juventude confinados em uma instituição, sem qualquer perspectiva de uma convivência familiar efetiva, essencial ao resgate da sua autoestima e resiliência.