Os escândalos de corrupção em torno de mecanismos de financiamento público têm acendido um debate acerca da despriorização da política cultural brasileira em um contexto de fortes constrangimentos orçamentários. Esse me parece um debate atrasado frente às transformações globais que estão acontecendo nos sistemas de produção e difusão da arte.
Não faz sentido um artista ter que argumentar que trabalha duro para conceber suas obras. Ora, pouco importa o número de horas de trabalho. Há valor em toda forma de arte que ajude alguém a ressignificar sua experiência nesse planeta. Melhor seria mostrar quanta gente se beneficia disso.
O que acontece hoje, no mundo todo, é uma descentralização dessa capacidade de criar arte com valor subjetivo. O que antes era exclusividade de uma restrita classe, bancada por interesses de poderosos travestidos de governo ou de iniciativa privada, hoje é feito por milhões de profissionais e amadores que transacionam em ambientes online e aproveitam novos canais de distribuição.
Esse fenômeno se repete não apenas na música, na literatura, nas artes visuais mais tradicionais. Também se reflete em artes aplicadas como o design e a produção de games, que ajudam a criar significado por meio de bens e serviços, inclusive os digitais.
A descentralização gera uma necessidade da revisão de paradigmas a respeito da natureza de diversas atividades. Algumas talvez deixem de ser as profissões de milhares para se tornarem hobbies de milhões de pessoas. O valor poderá ser gerado de maneira cada vez mais distribuída, sem tanta especialização de funções na sociedade.
Os modelos de financiamento público da cultura costumavam ser robustos e centralizados, visto que serviam, em grande medida, para criar retóricas e estéticas que, por sua vez, serviam a projetos de poder. Hoje, mudaram as estratégias de quem pretende usar a cultura para conquistar ou se manter no poder. A onda agora é tentar controlar as formas de interação (sobretudo as mídias sociais) e deformar o campo social para que as trocas culturais entre pessoas não fluam. No longo prazo, mesmo essas tentativas tendem a fracassar.