Escrevi neste espaço, um tempo atrás, que cultura é tão importante quanto educação e saúde, e portanto merece um ministério exclusivo, gerindo investimentos estatais de peso. Recebi várias mensagens com críticas ferozes. Eu era louco, ou mal-intencionado, ou as duas coisas juntas. Respondi a alguns dos indignados leitores – os mais educados, é claro – e reafirmei minha opinião. Disse que a produção simbólica, a capacidade imaginativa e a arte são decisivas e estratégicas na vida em sociedade. Numa palestra recente, cheguei a afirmar: "Vamos fazer um plebiscito sobre a continuidade da Lei Rouanet. Se a maioria optar por extingui-la, tudo bem. Mas eu viajo para fora do Brasil no dia seguinte. Teria vergonha de viver num país tão indigente". Ouvi alguns aplausos, o que me animou um pouco.
Semana passada, li a seguinte notícia: "O Supremo Tribunal Federal pediu quarta-feira (6/7) à Polícia Federal investigação e responsabilização de manifestantes que inflaram bonecos alusivos ao presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, e ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de forma crítica, durante ato na Avenida Paulista". Que maravilha! Lewandowski e Janot aguentaram, silenciosos e impávidos, dezenas de discursos inflamados (vindos da esquerda) que os atacavam, centenas de textos (escritos pela direita) que os criticavam, e milhares de comentários desabonadores (atirados de todos os lados) que os esculhambavam, mas, ao verem seus bonecos desfilando na avenida, mandaram "investigar e responsabilizar".
Por que esse comportamento? É simples. Eles sabem que os bonecos são poderosíssimos. Eles sabem que símbolos – muito mais que argumentos racionais – são capazes de estremecer a sociedade e solapar as instituições. Ou os bonecos saem da avenida, ou seus cargos serão gravemente ameaçados. Resta perguntar: por que os nobres defensores da lei e da ordem nada fizeram contra os gigantescos bonecos de Lula e Dilma vestidos de presidiários, que tanto caminharam pelas ruas e avenidas do Brasil? Será que aí os símbolos contribuíam para o debate democrático, em vez de serem parte de uma "nefasta campanha difamatória"? Boneco na avenida dos outros é colírio.