A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia dissemina incertezas pelo mundo, mas não deixa dúvidas de que haverá impactos econômicos, políticos e sociais, alguns imediatos, outros a médio e longo prazo. Num primeiro momento, há uma burocracia demorada a ser cumprida. Para formalizar o resultado do referendo, o governo britânico – sem o comando do primeiro-ministro David Cameron, que já anunciou sua renúncia – terá que encaminhar carta com o pedido de desligamento aos 27 países membros da UE e conseguir, através da Comissão Europeia, o aval do bloco. O processo de separação poderá durar até dois anos e incluir ou não mudanças nos acordos de livre comércio e de circulação de pessoas.
Mas o tempo do mercado financeiro é outro. Ontem, o dólar disparou e as bolsas de valores desabaram em toda a Europa e em vários países que mantêm fortes relações comerciais com o continente europeu. Esse estresse resulta de vários temores, entre os quais o de que outras nações sigam o caminho apontado pelos britânicos e também busquem autonomia. Com o chamado Brexit, movimentos políticos conservadores de vários países ganharam munição para pressionar pela autonomia em relação à comunidade continental.
Fortalece-se, com a decisão britânica, a tendência por mercados mais fechados, com previsível desaceleração do crescimento mundial. Do ponto de vista social, também percebe-se um retrocesso. A União Europeia foi idealizda depois da II Guerra Mundial como forma de pacificar o continente mais afetado pelos conflitos. Avançou para a mais bem-sucedida aliança entre países vizinhos, chegando ao ponto de consagrar o cidadão europeu, com livre trânsito e direitos unificados em todos os países membros do bloco.
Talvez tenha sido o alto grau de desenvolvimento alcançado pelas nações europeias unidas uma das razões da atual ruptura. Atraídos pela prosperidade da Europa, começaram a chegar em grande número os migrantes oriundos de países africanos e asiáticos assolados pela guerra e pela miséria. O medo dessa realidade influenciou fortemente o voto dos ingleses mais conservadores, da mesma forma que leva correntes políticas de outros países a também pressionar pelo fechamento de fronteiras e pelo isolamento.
A decisão britânica assusta o mundo, fere a globalização e deixa em estado de alerta todos os que acreditam na união de povos como fator de desenvolvimento, mas a democracia sempre se revigora quando a vontade da maioria é respeitada.
O POETA E A PREMONIÇÃO
"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."
(John Donne, poeta e pensador inglês, em Meditações XVII, 1624)