Em meio a esta turbulência, só reivindico o direito de pensar livremente. Preocupa-me a polarização de "coxinhas" e "petralhas". Não sobra lugar ao pensamento livre, ao reconhecimento de que há acertos e erros em quaisquer posições políticas ou ideológicas.
É como se a verdade estivesse num lado apenas. Na defesa de posições ideológicas, justificam-se coisas como corrupção política, violência, ódio e desprezo a conquistas institucionais históricas, como democracia, justiça e igualdade perante a lei.
Paira uma nuvem cinzenta esculpindo a sentença: "É proibido ser isento". Ser isento não significa ficar em cima do muro. Posso escolher uma ideologia política e, para instrumentalizá-la, aderir a uma grei partidária. Ideologias não envolvem verdades absolutas. São alternativas políticas em favor da sociedade. Partidos, teoricamente, são instrumentos da viabilização dessas idealizações. Ao cidadão cabe, para além de suas ideologias ou compromissos partidários, rechaçar todo comportamento atentatório ao objeto central da política: a busca do bem comum. Sobrepor ideologia política ou compromisso partidário ao interesse público é renunciar à isenção, sem a qual não há justiça.
Mas os partidos deixaram escoar pelo ralo do fisiologismo até os princípios ideológicos que lhes deram origem. O fascinante das ideologias era a fidelidade a seus valores programáticos. Por eles, ia-se ao sacrifício pessoal. Até a vida se poderia dar. Vemos agrupamentos partidários amorfos, conduzidos por homens capazes de produzir envolventes discursos. Mas, na maioria, servem a meros projetos de poder e não a autênticos projetos políticos. Já não temos estadistas, apenas ídolos. E estes passarão.
Para Allan Kardec, orgulho e egoísmo são as grandes chagas da humanidade. Levam à ganância, que se traveste, hoje, de partidos que manipulam ideais políticos, de igrejas que mercantilizam a fé, ou empresas que fraudam a economia pública, amealhando fortunas ardilosamente desviadas de seus fins sociais. Não é um mal exclusivo da política. É sintoma da ausência de compreensão do genuíno sentido da vida. Sem a virtude, que resulta dessa compreensão, não se faz Política.