O Ano-Novo não é uma data formal concebida a esmo. Ao contrário, marca o exato fim de um ciclo e o começo de outro. Tal qual as fases da Lua e a rotação da Terra, os 365 dias (se bissexto, mais um lhe deem...) se repetem com precisão até quando, ao longo de 12 meses, o verão tenha chuvas de inverno ou o que foi alegria reapareça como tristeza, e vice-versa.
A era eletrônica transformou praticamente tudo no mundo nos últimos 35 anos - dos hábitos caseiros à visão de distância ou formas de raciocinar -, mas não ousou tocar nos calendários. Todos eles (do calendário lunar chinês até o egípcio e o hebreu, ou o dos incas, maias e astecas) guardam semelhança com o nosso no Ocidente. E todos partem do mesmo ponto: somos apenas uma porção do Cosmos e guiados por ele.
Assim, identificados com a dimensão pequena de habitantes de um planeta ínfimo mas dadivoso, cheio de vida e esplendor, somos otimistas a cada fim de ano. Os votos de "ano novo" são verdadeiros até nas tragédias ou quando trocados entre adversários e concorrentes, ou entre credores e devedores. Talvez seja o único momento impossível de urdir uma mentira ou um faz-de-conta.
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Este otimismo inato só se desenvolve, porém, se não perdermos a visão crítica com que a vida nos dotou.
Só os minerais não têm capacidade de observar, discernir ou optar pelo caminho a seguir. As rochas das montanhas ou do subsolo não decidem sobre nada. Não têm percepção nem se comunicam como os moluscos, peixes, aves ou os vertebrados e invertebrados, quadrúpedes ou bípedes humanos. Nem têm fotossíntese como as árvores e plantas.
Os seres vivos lutam para viver. Só os minerais (que constituíram o planeta e depois feneceram) não podem optar por uma rota ou outra. Só os minerais aí estão, inertes, explorados pela extravagante cobiça humana e reduzidos ao absurdo, como os resíduos de lama em Mariana, MG, que esterilizam terras e assassinam riachos e rios, ameaçando até o imenso mar.
Somos vida e, por isto, comecemos 2016 com otimismo, mas sem jactância, com a humildade que nos leva a observar o mundo para viver com amor e solidariedade. E mudar (ou evitar) o que seja contrário a isto e cultive a disputa, o rancor, o ódio, o engano, a exploração do próximo e a destruição da vida no planeta.
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A vida é tão só uma passagem. Mas é eterna porque se renova em cada gesto que praticamos. A eternidade é isto - é o que legamos à vida pelo exemplo do que fizemos. É isto que torna os cemitérios grandes monumentos à vida. As lápides não contam da morte, mas da vida.
O ano de 2015 não morreu, apenas passou. Fez seu caminho e agora descansa ou dorme em sono ininterrupto, como os anos anteriores, acumulados uns sobre outros como referência. O futuro é a soma do passado, que nos guia e leva ao amanhã. O dia seguinte não existe sem que termine o 'hoje', o vivido neste instante. E o 'hoje' está ligado ao que fomos 'ontem'.
A cada primeiro de ano pensamos em novos desafios e projetos. Sonhamos com a paz, a saúde e o trabalho que leva à bonança e nos alentamos. Mas para que não sejam mera sensação ou fantasia, os projetos devem apoiar-se no que construímos (ou não construímos) ontem.
O desafio do futuro é ter consciência do que vivemos no passado.
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Os desafios renovam a esperança que distingue um ser vivo de uma rocha inerte. Por isto, dá lástima ver gente lúcida e de boa fé ocultando os erros e crimes do passado e falando, até, em "voltar à ditadura". Poderemos enfrentar desafios e ter esperanças se o delito e o arbítrio nos sufocarem?
Querem assassinar a esperança, a convivência e a paz? O incompreensível é que criticam (de público) as arbitrariedades de Maduro, na Venezuela, e ao mesmo tempo pregam algo ainda mais duro no Brasil...
Defendem o aberrante e esdrúxulo pedido de "impeachment" de Dilma, sem perceber que conviver em liberdade não é destruir, mas construir a partir da verdade crítica. E este processo já começou - grandes ladrões privados e públicos estão presos. Que 2016 multiplique os avanços e dê lucidez sobre os muitos erros dos anos velhos.