Em entrevista que fiz com o então presidente uruguaio José Mujica, no final de 2013, ele comentou comigo:
– O acordo entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) será o fato político mais importante da América Latina em décadas.
Estávamos na sua chácara, nas cercanias de Montevidéu.
Concordei com "Pepe" Mujica. É impressionante o que está por acontecer. As Farc seguirão os exemplos de grupos como o ETA na Espanha e o Ira na Irlanda. Fantástico!
Pois nesta terça-feira essa hipótese se tornou ainda mais concreta. As Farc e o governo colombiano anunciaram um pacto inédito a favor das vítimas do conflito armado, ponto fundamental do processo de paz conduzido em Havana há três anos. "Em cumprimento de nosso compromisso de colocar as vítimas no centro do acordo (...), o governo nacional e as Farc acertaram em criar um sistema integral da verdade, justiça, indenização e não repetição da violência", diz nota conjunta dos negociadores em Havana.
O acordo, que coroa um ano e meio de discussões, define, além disso, o tratamento que receberão os responsáveis por delitos contra humanidade sob um sistema jurídico especial, que será criado como parte do processo de paz e que inclui penas alternativas de reclusão. Também concede anistia aos guerrilheiros que não estejam envolvidos em delitos atrozes, como sequestro, violência sexual, execuções fora de combate, e apenas estejam acusados de levantar-se em armas contra o Estado. São passos auspiciosos. Era uma das etapas mais difíceis do acordo.
O conflito se iniciou há mais de 50 anos e já matou mais de 220 mil pessoas. Superado esse ponto, ficarão faltando apenas o mecanismo para o desarmamento dos guerrilheiros e a forma como será referendado o acordo, cuja previsão para ser firmado na íntegra é 23 de março de 2016.
Representantes de ambas as partes, além de familiares de vítimas, estão em Havana, onde as negociações tiveram início há três anos. Entre as soluções discutidas esteve a da criação de um fundo com participação internacional, assim como a utilização ou não de bens sequestrados pelas Farc. Também se estudaram sessões de pedidos de perdão públicos e a participação de ex-guerrilheiros em obras e atividades do chamado "pós-conflito".
Na semana passada, já havia sido aprovada uma reforma constitucional que permite um "procedimento legislativo especial". O objetivo é que, num período de seis meses, seja mais rápido aprovar as mudanças institucionais necessárias a fim de criar o Tribunal Especial para a Paz, que julgará tanto ex-guerrilheiros como militares, paramilitares, policiais e empresários acusados de envolvimento com narcotráfico.
Também foram conferidas faculdades extraordinárias ao presidente Juan Manuel Santos para que, num período de 90 dias, possa expedir decretos com força de lei.
As perspectivas são otimistas para um acordo: os negociadores de ambos os lados, Humberto de la Calle (governo) e Iván Márquez (Farc), disseram estar muito próximos do fim da guerra.
Apesar de as pesquisas mostrarem mais de 70% de apoio dos colombianos ao processo de paz, os números também indicam desaprovação de indultos ou anistia. Cerca de 80% se dizem contra a impunidade, e seu porta-voz mais feroz é o ex-presidente conservador Álvaro Uribe. O governo Santos sustenta, porém, que não serão perdoados crimes de lesa-humanidade – só os menos graves.
Esse deve ser o tema central da campanha pelo referendo na Colômbia. Ainda sem data marcada, mas provavelmente no primeiro semestre, levará os colombianos às urnas para a aprovação final das negociações.