Os homens do início do século 20 também tinham muito medo das mulheres. Não só o medo ancestral de serem surpreendidos por atitudes femininas que subvertessem ordens, comandos e hierarquias. Os coronéis, donos de currais e ditadores provinciais também temiam o dia em que as mulheres pudessem votar.
Era ameaçador o cenário imaginado com os efeitos do voto feminino na imperfeita democracia de mil novecentos e pouco. Pois os homens que ainda temem as mulheres, neste início de século 21, poderiam tentar entender suas inseguranças numa conversa com a cientista política Cristina Buarque de Hollanda.
Cristina é a organizadora de Joaquim Francisco de Assis Brasil: uma antologia política (Editora 7 Letras). Ela estará às 19h deste domingo, na Sala Leste do Santander Cultural, na Praça da Alfândega, para falar do gaúcho do castelo de Pedras Altas. Depois da conversa, às 20h, autografa na praça o livro com discursos e conferências do político.
Homens inseguros deveriam aprender com o liberal que viveu há tanto tempo (1857-1938). O fazendeiro, deputado, diplomata e escritor Assis Brasil ficaria constrangido ao saber que homens maduros, bem formados, seguros de si, foram abalados pelo "exame feminista" do Enem deste ano. Pela frase de Simone de Beauvoir que caiu na prova ("Ninguém nasce mulher, torna-se mulher"). E por outras questões relacionadas com a violência contra a mulher.
Assis Brasil foi o autor do primeiro gesto que assegura em lei um direito fundamental às mulheres. Escolhido por Getúlio Vargas para liderar a comissão encarregada de elaborar o novo Código Eleitoral, ele determinou, já no artigo segundo, que o eleitor é "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo". Isso em 1932. Quatro anos antes, havia criado o Partido Libertador.
Homens temerosos com uma frase que Simone de Beauvoir escreveu em 1949 envergonham a memória de uma das nossas mentes mais brilhantes. O que eles temem hoje, que Assis Brasil, aos 75 anos, não temia em 1932?
Alguém vai dizer que o voto feminino foi um truque dele (e de Getúlio) para desmontar o esquema de dominação do coronelismo nos grotões de São Paulo e Minas. Que belo truque! Só que, desde 1917, Rio e São Paulo conviviam com as agitações promovidas pela professora Leolinda Daltro e pela bióloga Bertha Lutz.
O Código Eleitoral saído da pena de Assis Brasil formaliza o que elas já vinham defendendo com bravura. Leiam o que Cristina diz sobre ele:
- Assis Brasil garantiu, pela primeira vez, a cidadania política das mulheres.
Na juventude, o gaúcho chegou a ser contra o voto feminino. Mudou, na maturidade, para assegurar aqui um direito que francesas, belgas, suíças, italianas e gregas só teriam muito tempo depois.
Agora, imagine que os homens do século 21 possam ter medos que o nosso liberal libertador não tinha cem anos atrás. E nem é o medo do voto, mas de coisas que nem eles sabem dizer direito. Que trajetória errática os machos percorreram, de lá até aqui, a ponto de temerem tanto as mulheres?
Inseguros, apareçam na palestra de Cristina Buarque de Hollanda. Escutem pela voz dessa carioca, prima de Chico, o que o Código de 1932 significa. Procurem conforto na fala de quem estudou a obra do bigodudo de São Gabriel. Este, sim, foi um belo exemplar do macho gaúcho.