De tão acostumados com a desfaçatez da paisagem à nossa volta, nem nos surpreendemos mais quando um pensador célebre como o colombiano Bernardo Toro nos visita e diz não ver saída, nesse ou em qualquer outro país, sem um sistema educacional de qualidade idêntica para ricos e pobres. Mais: que, na Suécia, país civilizado, o herdeiro do presidente da Volvo pode frequentar a mesma escola do filho de um pescador. E, aí, quando homens públicos começam a tombar às pencas bem do alto, nos resta lembrar de um Caetano Veloso irado na música Podres poderes: "Será que esta minha estúpida retórica terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?"
Abraham Lincoln, há pelo menos um século e meio, disse que, quem quiser pôr à prova o caráter de um homem, só precisa lhe dar poder. Sem essa chave capaz de abrir todas as portas, não haveria tantos megalômanos por aí se achando no direito de calar quem tem potencial para prejudicá-los, e mesmo obstruir uma investigação judicial, oferecendo desde avião de luxo para cruzar o Atlântico até mesada para a família. Mas será que, de diferentes maneiras, também não contribuímos para deformar essa capacidade como forma de afirmação ou de auferir vantagem?
É claro que há os poderes instituídos. Deles, precisamos cobrar que ajam mais a nosso favor, de todos, e menos dessas pessoas que se julgam capazes de comprar tudo. Mas o que dizer do prazer, quase sempre momentâneo, que alguns sentem ao fazer alguém esperar pela oportunidade ser atendido num local público? Pior: quantas vezes, em casa, no trabalho ou na rua, agimos como verdadeiros tiranos? Quase não nos damos conta, mas manda quem paga, leva quem fala mais alto, impõe-se quem veste roupa mais cara.
E não há quem, mesmo agindo assim, ainda se porte como juiz diante do homem público que viaja ao Exterior com as despesas custeadas por banqueiro interessado em favores do setor público? Pior: sentencia-o ao sabor da raiva ou até insiste nuns mas e nuns poréns, dependendo se quem está usurpando o poder fecha ou não com sua visão de mundo.
Poder só tem sentido quando é usado para o bem, o que exige uma mudança cultural impossível sem educação de qualidade para todos, como a defendida pelo filósofo colombiano. Poder verdadeiro não é o concedido a políticos corruptos e a seus parasitas, como os desmascarados agora. É o que tira o foco da lente de nossos interesses individuais e o direciona para os dos outros, para a compaixão, para a solidariedade, para as coisas simples, para mudanças realmente transformadoras, que virão não dos governantes, mas de nós mesmos.