Pra que isso? Me pergunto, meio constrangido e muito curioso. Você já viveu essa experiência. De um lado, de outro ou de ambos.
Observe o que acontece quando um carro para na faixa de segurança e deixa o pedestre atravessar. Não é favor. É bom senso e lei. Mas, nesses casos, quase sempre, a pessoa que está ali, esperando para chegar ao outro lado na rua, reage de uma forma estranha. Seja homem, mulher ou criança. Velho ou moço.
Quando o carro para, o pedestre corre. Apressa o passo o máximo possível, mesmo de muletas ou sobrecarregado com dúzias de sacolas de supermercado.
Eu fico ali, sentado ao volante, observando aquele ser humano transformado em galináceo assustado. Será que pareço um assassino de filme de terror barato? Que vou mudar de ideia, enfiar o pé no acelerador e passar por cima dele quando estiver ao meu alcance? Tenho vontade de descer do carro e dizer: "Calma, não precisa correr. Eu sou do bem. Espero mais três segundos até ao senhor chegar à calçada".
Na verdade, esse comportamento diz muito. Não preciso gastar palavras para explicar o que você, leitor, já sabe. Não há confiança, não há simpatia, não há paciência.
Mesmo compreendendo o fenômeno, cada vez que ele se repete, fico constrangido. Por receber esse recado torto de alguém que vejo apressado na minha frente: "Desculpe por eu, o mais fraco, estar te atrapalhando, tu que és o mais forte, o poderoso, envolto nessa armadura de aço cheia de tecnologia e potência".
Só me sinto pior quando quem está na faixa de segurança sou eu. E, na hora de atravessar, me vejo tenso. Enquanto tento manter a calma no passo, repito, mentalmente: "A preferência aqui é minha, a preferência aqui é minha".
Quando vejo, estou com uma baita vontade de chegar rápido ao outro lado, me sentindo mal por estar atrapalhando o trânsito. Por ver aquele carrão ali, parado, esperando por mim, que sou apenas carne e osso, sem lataria e sem airbag.
E torcendo para que um outro carro ainda mais veloz e ousado não abalroe por trás o motorista tão querido, tão gentil, tão educado que, mesmo correndo o risco, cumpriu a lei e me deixou passar.