Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série, iniciada em junho com opiniões de representantes de entidades empresariais, teve continuidade em julho com sindicalistas e lideranças classistas e em agosto com parlamentares. Em setembro, é a vez de governantes.
*Antônio Britto, governador do Estado de 1995 a 1998
1. É proibido concordar. Praticaremos uma democracia muito peculiar, na qual o debate jamais reconhecerá qualquer virtude ou acerto nas posições ou ideias do outro. A discussão sempre terminará em algum tipo de divergência, nunca em consenso.
2. Para estimular a divergência e aproximá-la do confronto, será incentivada a adoção do modelo praticado nos nossos grandes clubes de futebol. Criaremos, onde possível, mais e mais movimentos, grupos e facções. Tantos, que o objetivo de cada um seja o mais específico, corporativo, particular, pessoal. E sempre distante do interesse comum. Uma qualidade nossa - a participação - será transformada em desvantagem.
3. Será admitida de forma absolutamente excepcional uma única hipótese de entendimento no Estado: quando houver a conveniência de atribuir a terceiros toda a responsabilidade pelos problemas do Rio Grande. Neste caso, e apenas neste, adversários poderão estar juntos por algumas horas.
4. Não haverá temas de Estado, aqueles que, segundo os antigos manuais, deveriam ser preservados da disputa e tratados acima das paixões, pensando-se apenas nos interesses coletivos.
5. Assegurado o clima permanente de confronto, caberá ao governante optar por uma das duas únicas seguintes hipóteses para seus quatro anos de mandato.
* Primeira hipótese: não enfrentar os problemas administrativos para não se desgastar. Lema sugerido: um governo de paz. Consequência provável: talvez paz, seguramente nenhuma solução ou avanço.
* Segunda hipótese: para enfrentar os problemas, assumir muitos confrontos. Lema sugerido: sem sofrimento, não vai. Consequência muito provável: nenhum avanço, seguramente muito conflito.
6. Se para exercer o poder só há duas hipóteses, para ganhar o governo a situação é muito simples. As campanhas eleitorais permitirão a vitória de um único comportamento: negar-se de qualquer forma e a qualquer preço a discutir qualquer problema, antecipar qualquer medida polêmica ou meramente admitir que qualquer solução depende da contribuição de alguém. As campanhas eleitorais, por isso, serão um momento maravilhoso de diálogo televisivo entre um governo que sai depois de ter feito muito e um que quer entrará movido por canções de unidade, paz e amor.
7. É assegurado o direito recíproco ao esquecimento. Quem assumir o governo terá o direito de em 24 horas abandonar tudo que dizia na oposição. Para compensar, os antigos governistas não lembrarão mais os quatro anos anteriores.
8. Nos meios acadêmicos, estimularemos estudos e teses sobre uma teoria política - o conservadorismo revoltado. Ele procura, de forma inédita, conciliar a atitude de insatisfação em relação a tudo que está aí com a absoluta recusa em aceitar qualquer modificação dessa mesma situação que rejeita.
9. O futuro ficará para depois. Assegurado que não discutiremos os assuntos de interesse comum nem mesmo em período eleitoral e não produziremos consensos nem quando as crises forem dramáticas e graves, e seguiremos em busca das soluções que não existem, concordamos todos que além do presente vamos também adiar o futuro.
Se a sociedade gaúcha não escreveu nem provavelmente assinaria essas regras de convivência, por que as praticamos com tanto empenho?