Por Marcelo Rech, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Quando se fala de liberdade de imprensa, foca-se no exercício livre da atividade jornalística – e é importante que, para o bem das democracias, seja assim. No entanto, a expressão é composta por dois substantivos. Para haver liberdade de imprensa, é preciso haver também imprensa. E é aí que estamos diante de um grande perigo.
Uma das bases do regime democrático, a imprensa livre vem sendo sufocada pela combinação perversa da erosão gradual das liberdades com a degradação econômica de veículos de comunicação. Nos EUA, por exemplo, cerca de 10 jornais fecham a cada mês, deixando comunidades inteiras sem fonte de informação local ou a mercê de bandoleiros digitais que se valem do vácuo jornalístico para vender elixires da radicalização.
Para haver liberdade de imprensa, é preciso haver também imprensa. E é aí que estamos diante de um grande perigo.
Apesar de todas as suas limitações, empresas jornalísticas são a melhor invenção dos últimos séculos para que as sociedades se conheçam melhor a partir de retratos da realidade e da pluralidade de ideias e, assim, possam fazer escolhas sensatas sobre o futuro. Mas, por sua dinâmica de crítica, denúncia e opinião, a atividade jornalística sempre atraiu a ira de liberticidas. Nunca houve uma ditadura que convivesse com uma imprensa livre, ressalve-se.
Mais recentemente, a imprensa também vem sendo garroteada por uma forma que dispensa o operoso controle de conteúdos jornalísticos. Em países como Venezuela e Nicarágua, governos agem para simplesmente eliminar a imprensa, aí entendida como aquela que faz jornalismo sem ser um braço oficialesco do regime. O tsunami se completa com a drenagem de recursos publicitários por oligopólios digitais que rejeitam os mecanismos de responsabilização e contrapartidas que são parte do DNA dos meios de comunicação.
A captura de conteúdos jornalísticos pela inteligência artificial, sem a devida remuneração dos produtores, só tende a agravar um quadro que, no longo prazo, pode fazer desaparecer a imprensa independente. Em seu lugar, restariam tão-somente câmaras de eco digitais a refletir pensamentos dominantes, bolhas de grupos ideológicos e informações falsas.
Em nome da pluralidade e da estabilidade, o mundo livre deve atuar na reversão desse cenário por uma lógica simples. Em seu negócio, as big techs produzem como efeito secundário uma poluição social materializada em desinformações e discursos de ódio. É o jornalismo profissional que tem a técnica e a capacidade de neutralizar, ainda que parcialmente, esses resíduos tóxicos. Então, como em qualquer indústria, os poluidores devem ajudar a pagar o custo da limpeza da poluição. E devem fazer isso antes que seja tarde demais para a sanidade mental do planeta.