O Senado argentino aprovou, na noite de quarta-feira (12), o megaprojeto de lei, conhecido como "Lei Ônibus", proposto por Javier Milei após horas de debate entre os parlamentares e confronto nas ruas da capital federal, Buenos Aires. A votação chegou a um empate de 36 a 36. Coube então a Victoria Villaruel, vice-presidente da República conceder o voto decisivo para definir a aprovação. Na Argentina, o vice-presidente da República também é presidente do Senado e tem direito ao voto de minerva. Agora, o texto volta para a Câmara Federal, que já havia aprovado uma versão anterior do texto, pois houve alterações feitas pelo Senado.
— Por esses argentinos que sofrem, que esperam, que não querem ver seus filhos deixarem o país [...], meu voto é afirmativo— disse a vice-presidente da República.
O projeto prevê poderes especiais para Milei governar por decreto em diversas áreas, permite a dissolução de organismos públicos e privatizações de estatais, altera leis trabalhistas e dá incentivos fiscais para empresas estrangeiras que queiram investir no país.
Confronto entre manifestantes e policiais
Enquanto os senadores debatiam a proposta houve confronto entre manifestantes e policiais. Carros foram incendiados e pessoas ficaram feridas. Cinco políticos da oposição expostos a gás lacrimogêneo foram levados a hospitais. Além dos deputados, dezenas de manifestantes igualmente afetados pelo gás receberam assistência no local, segundo parlamentares e uma ONG.
A discussão no Congresso foi repudiada por organizações sociais, partidos de esquerda, aposentados, professores e sindicatos. Os distúrbios começaram quando os manifestantes tentaram passar pelo sistema de barricadas montado para isolar o Congresso e foram repelidos com gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões d'água.
Os manifestantes reagiram atirando pedras nos policiais e pelo menos dois carros foram incendiados, incluindo um da emissora de rádio Cadena 3. A polícia não forneceu um balanço de feridos ou detidos. No entanto, um porta-voz do Ministério da Segurança assegurou à AFP que pelo menos 10 pessoas foram detidas e nove policiais federais ficaram feridos.
— Roberto María La Cruz Gómez, sou peronista e venho para que a lei Bases não seja aprovada, porque sou argentino!— gritou um jovem enquanto era detido por policiais.
A presidência denunciou na rede social X "os grupos terroristas que, com paus, pedras e até granadas, tentaram perpetrar um golpe de Estado".
A Lei de Bases inclui, em seus 238 artigos, incentivos a grandes investimentos por 30 anos, uma reforma trabalhista, privatizações e uma polêmica delegação de poderes legislativos ao presidente ultraliberal. Com a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos também foi aprovado um incentivo aos grandes investimentos, que oferece vantagens fiscais, aduaneiras e cambiais durante 30 anos a capitais estrangeiros que superam US$ 200 milhões.
— Estamos dando um cheque em branco que não sabemos quanto vai custar por 30 anos, além da prioridade no uso dos recursos naturais — disse o senador Martín Lousteau.
O empresário americano Elon Musk, que participou na quarta-feira em uma videoconferência durante a qual Milei apresentou sua teoria econômica, encorajou os argentinos a "dar completo apoio ao presidente para levar adiante esta experiência porque, claramente, as políticas do passado não funcionaram".
Dono da fabricante de carros elétricos Tesla, Musk já se encontrou algumas vezes com Milei e demonstrou interesse na Argentina, que é uma das principais reservas mundiais de lítio, fundamental para a fabricação de baterias.
Entre os 238 artigos da Lei Bases, também foi aprovada a possibilidade de privatização de algumas empresas - mas as negociações deixaram a Aerolíneas Argentinas de fora da lista -, assim como uma reforma trabalhista que amplia o período de teste e flexibiliza o sistema de indenizações para as demissões. A respeito da companhia aérea o argumento foi de que é uma empresa-chave para a conexão interna de voos, especialmente para a região da Patagônia. O Correio Argentino e os veículos públicos de comunicação também ficariam de fora da lista, que chegou a ter 40 empresas.
Na manhã de quinta-feira, o Senado também debateu e aprovou de maneira geral, por 37 votos contra 35, um pacote fiscal que introduz um regime de regularização de ativos (lavagem de capitais).
Em meio às discussões, Milei descreveu o Congresso como um "ninho de ratos", entre outros palavrões que desferiu aos legisladores e governadores. No Senado, o presidente tem apenas sete das 72 cadeiras.
O debate ocorre em um contexto de recessão da economia, queda da atividade industrial e do consumo, bem como de milhares de demissões e da desaceleração da inflação que, apesar disso, ainda está em torno de 300% ao ano.