Informações sobre supostos balões chineses utilizados para espionagem vêm chamando a atenção desde a última quinta-feira (2). Entre pronunciamentos oficiais, o episódio tem ampliado as tensões entre os Estados Unidos e a China, iniciadas por Taiwan, que o governo chinês considera parte de seu território e cujo controle o governo pretende recuperar um dia.
Depois que as autoridades norte-americanas confirmaram a origem do balão, o Departamento de Estado adiou por tempo indefinido a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à capital chinesa. Embora nunca tenha sido anunciada de modo oficial, esperava-se que a viagem de Blinken o levasse para reuniões em Pequim no domingo (5) e na segunda-feira (6).
Veja, abaixo, o que se sabe sobre o episódio:
Quando o primeiro balão chinês foi detectado pelos EUA?
O episódio teve início na quinta, quando um funcionário da Defesa dos EUA informou que o Pentágono estava monitorando um balão espião chinês que sobrevoava o Estado de Montana, em locais que abrigam cerca de 150 silos de mísseis balísticos intercontinentais. Conforme ele, o Pentágono não acreditava que se tratasse de uma grande ameaça porque tinha "um valor aditivo limitado de uma perspectiva de coleta de (dados de) inteligência". Mesmo assim, afirmou que estavam tomando "medidas para nos proteger da coleta de informações confidenciais por parte de inteligência estrangeira".
— Claramente, a intenção deste balão é a vigilância, e a rota de voo atual o leva a uma série de locais sensíveis — disse o oficial.
Segundo o funcionário, o balão havia entrado no espaço aéreo americano há vários dias e já estava sendo rastreado pelos serviços de inteligência dos EUA. Na quinta, ele voava "a uma altitude muito acima do tráfego aéreo comercial" e "não representa uma ameaça militar ou física para as pessoas em terra", disse o porta-voz do Pentágono, Pat Ryder, em comunicado.
Ainda na sexta, o Pentágono afirmou que um segundo balão de vigilância chinês estava sobrevoando a América Latina, sem especificar a localização exata do objeto. Segundo um porta-voz do Departamento de Estado americano, Blinken se comunicou com um funcionário do alto escalão chinês, afirmando que a situação se tratava "de um ato irresponsável e de uma violação clara da soberania americana e do direito internacional, que mina o propósito da viagem".
Algum dos balões chineses foi abatido?
Um avião de combate americano derrubou um dos balões chineses na costa do Estado da Carolina do Sul, neste sábado (4), após a Administração Federal de Aviação (FAA) anunciar o fechamento de ao menos três aeroportos na região, interrompendo voos civis no espaço aéreo no entorno desses terminais, citando um "esforço de segurança nacional".
— A ação deliberada e legal de hoje mostra que o presidente Biden e sua equipe de segurança nacional sempre colocarão a segurança do povo americano em primeiro lugar e responderão de forma eficaz à violação inaceitável da nossa soberania por parte da República Popular da China — declarou o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin.
O que diz a China?
Na sexta-feira (3), o Ministério das Relações Exteriores da China confirmou que o balão que sobrevoou o espaço aéreo dos Estados Unidos sem autorização era de fato chinês, mas que seria utilizado somente para fins de pesquisas meteorológicas e que teria entrado no território americano por acidente.
— Afetado pelos ventos do oeste e com capacidade limitada de autodireção, o balão desviou-se muito de seu curso planejado — afirmou um porta-voz do ministério em comunicado, acrescentando que o governo da China lamentava a entrada não autorizada, e reforçando ainda que seguirão trabalhando com os Estados Unidos para lidar "adequadamente com essa situação inesperada".
Em nota divulgada neste sábado (4), o Ministério das Relações Exteriores afirmou que "alguns políticos e meios de comunicação nos Estados Unidos" usaram "o incidente como pretexto para atacar e difamar a China".
— A China (...) nunca violou o território e o espaço aéreo de nenhuma nação soberana — acrescentou.
Balão espião existe?
O outrora humilde balão é uma das muitas tecnologias que as forças militares da China aproveitaram como uma ferramenta potencial em sua rivalidade com os Estados Unidos e outras potências. Outras máquinas avançadas incluem drones e veículos hipersônicos que podem manobrar em altas velocidades na atmosfera.
Em estudos e artigos de jornais, os especialistas do Exército Popular de Libertação da China acompanharam os esforços dos EUA, França e outros países para usar balões avançados de alta altitude para coleta de informações e para coordenar operações no campo de batalha. Segundo eles, novos materiais e tecnologias tornaram os balões mais resistentes, manobráveis e de maior alcance do que as gerações anteriores de balões.
Desde 2001 a China usa balões para investigações e finalidades de espionagem. O Ministério da Defesa de Taiwan disse que no início de 2022, a China lançou balões sobre a ilha. "Os avanços tecnológicos abriram uma nova porta para o uso de balões", afirmou um artigo do Liberation Army Daily — o principal jornal militar da China — no ano passado. Outro artigo no mesmo jornal observou que os dirigíveis nas camadas superiores da atmosfera também podem se tornar como "mil olhos" ajudando a monitorar o espaço sideral.
O balão supostamente enviado para os EUA pode ser usado para coletar informações sobre sistemas de defesa aérea ou condições atmosféricas, disse Su Tzu-yun, analista do Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança em Taipei. As forças americanas teriam poucos problemas para seguir o balão agora, mesmo em altitudes muito mais altas do que as vistas sobre Taiwan:
—Basicamente, eles são muito óbvios e, devido ao seu grande volume, são facilmente rastreados pelo radar.
O que é o balão e como ele é operado?
Um balão espião é apenas um balão usado para fins de vigilância. Pode ter uma ou várias câmeras suspensas sob um dispositivo que flutua acima de uma determinada área, carregado por correntes de vento. O equipamento acoplado aos balões pode incluir radar e ser movido a energia solar.
Os balões normalmente operam a 24 mil metros - 37 mil metros (80.000-120.000 pés), bem acima de onde voa o tráfego aéreo comercial — os aviões quase nunca voam acima de 12 mil metros. E os balões espiões não são novidade: durante a Guerra Civil Americana, a União até usou balões de ar quente para rastrear os movimentos das tropas confederadas. Durante a Primeira Guerra, a seção fotográfica do Serviço Aéreo do Exército dos EUA usou balões para realizar vigilância e fornecer imagens aéreas.
E na década de 1950, a Força Aérea dos EUA lançou o Projeto Genetrix, que descreveu como sua primeira "operação de inteligência de balão de grande escala, não tripulada e de alta altitude", projetada para tirar fotos sobre "a massa terrestre do bloco soviético". A atividade de vigilância de balões continuou nos últimos anos, de acordo com autoridades dos EUA.
— Instâncias desse tipo de atividade de balão foram observadas anteriormente nos últimos anos — disse o secretário de imprensa do Pentágono, general de brigada Patrick Ryder, sem dar mais detalhes.
Por que um balão e não um satélite?
— Nas últimas décadas, os satélites eram o protocolo, o estado da arte da espionagem. Mas agora que lasers ou armas cinéticas estão sendo inventados para atingir satélites, há um ressurgimento do interesse por balões —disse ao jornal britânico The Guardian John Blaxland, professor de segurança internacional e estudos de inteligência na Australian National University e autor do livro Revealing Secrets.
Eles não oferecem o mesmo nível de vigilância persistente que os satélites, mas são mais fáceis de recuperar e muito mais baratos de lançar. Para enviar um satélite ao espaço, você precisa de um lançador espacial — um equipamento que normalmente custa centenas de milhões de dólares. Os balões também podem varrer mais território de uma altitude mais baixa e passar mais tempo sobre uma determinada área porque se movem mais lentamente do que os satélites, de acordo com um relatório de 2009 do Air Command and Staff College da Força Aérea dos EUA.
Craig Singleton, especialista em China da Fundação para Defesa das Democracias, disse à agência Reuters que esses balões foram amplamente usados pelos EUA e pela União Soviética durante a Guerra Fria e eram um método de coleta de inteligência de baixo custo.
Por que a China está fazendo isso?
O professor Steve Tsang, diretor do Instituto da China na Universidade SOAS de Londres, disse que, dado o acesso da China a tecnologia avançada, qualquer balão espião provavelmente teria mais "valor simbólico, mostrando que os chineses são capazes de enviar algo para o ar para inspecionar as instalações militares dos EUA."
— E eles estão fazendo isso porque, por décadas, os EUA enviaram aviões espiões ao longo da costa chinesa e, às vezes, sobre o espaço aéreo chinês para monitorar os chineses de maneiras que eles não podiam fazer muito. Agora eles podem, então eles fazem — afirmou.
Ao jornal britânico The Guardian, John Blaxland, professor de segurança internacional e estudos de inteligência na Australian National University, disse achar improvável que os chineses não esperassem ser pegos:
— Ser pego provavelmente era o objetivo, com dois resultados em mente. A primeira razão pela qual o balão foi lançado foi para constranger os EUA. Ainda melhor se capturasse alguma inteligência ao longo do caminho. É difícil imaginar como eles poderiam ter pensado que não seria detectado. O espaço aéreo americano é estudado de perto pelas autoridades da aviação civil dos EUA, pela Força Aérea dos EUA, pela Força Espacial dos EUA, pelas redes meteorológicas - é um espaço aéreo extremamente escrutinado.
A segunda razão é tornar os EUA cientes do fato de que a China tem mantido secretamente sua tecnologia e a replicado.
— As agências de segurança chinesas são mestres no comportamento de imitação. Eles são muito, muito bons em estabelecer o que é tecnologia e depois tentar replicá-la. É algo como "qualquer coisa que você pode fazer, podemos fazer melhor" e é "apenas a ponta do iceberg" — disse Blaxland ao Guardian.
A espionagem da China acontece "em escala industrial", com pequenos pedaços de inteligência reunidos e transmitidos de inúmeras maneiras. Juntos, eles formam imagens detalhadas.
O analista de segurança com base em Cingapura, Alexander Neill, disse à Reuters que, embora o balão provavelmente forneça um novo ponto de tensão para os laços China-EUA, provavelmente teve um valor de inteligência limitado em comparação com outros elementos que as forças militares modernizadoras da China têm à sua disposição.
— A China tem sua própria constelação de satélites espiões e militares que são muito mais importantes e eficazes em termos de observação dos EUA, é justo supor que o ganho de inteligência não é enorme — apontou Neill, que é um membro adjunto no grupo Pacific Forum do Havaí.