Seu passaporte haitiano estava em ordem e os vistos atualizados, por isso, quando a Polícia da República Dominicana o prendeu por várias horas, Josué Azor teve certeza de que o fez por causa da cor de sua pele.
A detenção do jovem fotógrafo ocorreu em meio a uma onda de expulsões de imigrantes haitianos pelo governo de Santo Domingo, visando especificamente os negros, segundo grupos de defesa haitianos. Uma acusação que os dominicanos rejeitam.
O Haiti e a República Dominicana compartilham a ilha caribenha de Hispaniola. No entanto, suas economias e condições de vida diferem drasticamente.
Muito mais rica, a República Dominicana e sua próspera indústria do turismo atraem cidadãos haitianos em busca de uma vida melhor.
O fluxo migratório disparou à medida que a crescente insegurança e o caos político tornam a vida no Haiti cada vez mais difícil.
Josue Azor, porém, estava viajando por motivos profissionais, trabalhando com amigos dominicanos em um filme de animação.
Ele havia acabado de chegar a Las Terrenas, destino turístico da costa nordeste dominicana, quando foi parado pela polícia.
"Da periferia da cidade até a delegacia, os policiais pegaram jovens aleatoriamente, escolhendo-os com base na cor de sua pele", comentou à AFP o fotógrafo de 36 anos.
"Foi como uma caça haitiana", disse, antes de acrescentar que a polícia "humilhava as pessoas" e se recusava a verificar seus documentos.
Ele foi mantido em uma cela por várias horas e somente após a chegada de ativistas dominicanos, chamados por um de seus amigos, foi autorizado a provar sua situação regular.
- Muro fronteiriço -
Com gangues criminosas assumindo o controle de Porto Príncipe, a capital haitiana, o fluxo de migrantes para a República Dominicana disparou, levando a um endurecimento das políticas de Santo Domingo a ponto de construir um muro ao longo da metade da fronteira comum.
Somente entre setembro e novembro, as autoridades dominicanas expulsaram mais de 56.300 haitianos, muito mais do que os 15.530 no mesmo período de 2021, segundo o Grupo de Apoio a Expatriados e Refugiados (GARR).
"Ódio" e "discriminação racial" estão por trás dessa tendência, alega esta organização haitiana.
Grupos de defesa dos migrantes em Santo Domingo e Porto Príncipe dizem que algumas expulsões aconteceram de maneira ilegal em passagens de fronteira não oficiais, muitas vezes à noite e envolvendo menores desacompanhados.
Em novembro, as Nações Unidas pediram aos países que suspendessem imediatamente a repatriação de haitianos, dada a grave crise humanitária que assola o país.
E no final de novembro, o Departamento de Estado americano emitiu um alerta aos seus cidadãos para que reconsiderassem viajar à República Dominicana, argumentando que alguns viajantes haviam reclamado de atrasos ou detenções por causa da cor de sua pele.
"Há evidências de preconceito racial e discriminação contra pessoas de pele escura, haitianos ou considerados haitianos", dizia um relatório de segurança dos EUA.
As autoridades dominicanas criticaram o relatório e indicaram que não oferecia nenhuma prova de violação sistemática dos direitos dos migrantes.
Questionado pela AFP sobre as acusações de expulsões por motivos raciais, o governo da República Dominicana se recusou a comentar.
No início de dezembro, o presidente dominicano, Luis Abinader, disse que "o sacrifício feito pela República Dominicana diante do excesso de migrantes irregulares excede as possibilidades de assimilação".
Ele pediu maior assistência internacional ao Haiti.
No entanto, o suposto racismo oficial da República Dominicana parece ter encontrado eco em um movimento ultranacionalista pequeno, mas muito ativo no país, que insiste em sua própria identidade latina.
Esse grupo expressa regularmente sua aversão à população negra, composta não apenas por migrantes haitianos, mas também por dominicanos cujos ancestrais foram escravizados sob o poder da colônia espanhola.
"No TikTok, você vê dominicanos negros descrevendo situações humilhantes", diz Edwin Paraison, diretor do grupo Zile Fundation.
* AFP