Bento XVI proclamou durante seu papado ter "tolerância zero" para abusos sexuais cometidos por clérigos, mas essa linha foi ofuscada este ano por acusações de encobrir pedófilos quando era arcebispo na Alemanha. Primeiro papa a renunciar em seis séculos, ele morreu neste sábado (31), aos 95 anos.
Durante seus quase 8 anos de pontificado, o papa emérito, que renunciou ao cargo em 2013, tentou limpar uma igreja que, segundo suas próprias palavras, foi invadida por "sujeira". Ele se referia aos abuso sexuais e desejo de riqueza de seus sacerdotes.
O prestigioso teólogo Joseph Ratzinger foi braço direito de João Paulo II por um quarto de século antes de sucedê-lo, tornando-se o primeiro papa alemão em muitos séculos. Uma de suas principais batalhas foi contra os recorrentes casos de pedofilia na Igreja Católica, que tanto desacreditou a instituição.
No entanto, no início de 2022, foi acusado em um relatório elaborado na Alemanha de ter acobertado quatro casos de pedofilia na Arquidiocese de Munique, quando era seu arcebispo, entre 1977 e 1981.
Bento XVI quebrou seu silêncio e escreveu uma carta na qual pedia desculpas às vítimas de abusos sexuais, mas sempre negou com firmeza as acusações.
Embora os primeiros escândalos de violência sexual dentro da Igreja tenham surgido na segunda metade da década de 1980, foi apenas em 2001 que a Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Ratzinger, se encarregou da questão.
Em carta escrita no mesmo ano, o cardeal alemão decretou que os casos de abuso sexual cometidos por religiosos seriam tratados pela congregação e sob sigilo papal. Uma decisão que para muitos observadores equivalia a proteger os culpados.
Mas depois de sua eleição, em 2005, como Papa Bento XVI, ele reconheceu os terríveis "pecados" da Igreja e lançou uma operação para limpar a instituição, com a demissão de dezenas de bispos.
Decisões históricas
Em 2006, tomou a decisão histórica de sancionar, ordenando-lhe que se retirasse do sacerdócio público, o sacerdote mexicano Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo, o maior predador sexual da Igreja. Degollado era considerado por João Paulo II como modelo a ser seguido por um cristão.
Dois anos depois, Bento XVI se encontrou com vítimas de abusos e violência sexual nos Estados Unidos e na Austrália e afirmou que faltavam palavras "para descrever a dor e a maldade" que sofreram.
Ele foi o primeiro pontífice a dedicar um documento inteiro a essa crise, com a publicação, em 2010, de uma carta aos católicos da Irlanda após a revelação de milhares de casos no país. Nesse texto, compartilhou seu "desânimo" e falou sobre se sentir "traído".
— Como pontífice (...) aceitou as críticas, estabeleceu novas regras, conheceu as vítimas — disse à Agence France-Presse Iacopo Scaramuzzi, do jornal italiano La Repubblica.
O desejo de "limpar" a Igreja, que levou à destituição de cerca de 400 sacerdotes, foi seguido mais tarde pelo Papa Francisco, que introduziu novos princípios canônicos e criou a comissão para a proteção dos menores.
"Perdão"
A firmeza de Bento XVI diante deste flagelo também ficou manchada em 2019 quando, já como "papa emérito", atribuiu os casos de pedofilia à revolução sexual dos anos 1960, o que casou o choque de vários teólogos e a ira de associações de vítimas.
Para Scaramuzzi, o ex-pontífice "se equivocou" ao atribuir parte do problema à secularização da sociedade e à revolução sexual.
Em 2022, aos 95 anos, pressionado pelo relatório alemão que o acusava de negligência no tratamento de casos de pedofilia, quebrou seu silêncio para pedir "perdão" e expressar sua "profunda" vergonha.
"Em breve, enfrentarei o juiz definitivo da minha vida. Embora, olhando para trás em minha longa vida possa ter muitos motivos de temor e medo, tenho um estado de espírito alegre, porque acredito, firmemente, em que o Senhor não é apenas o juiz justo, mas também o amigo e irmão que já sofreu minhas carências e é, portanto, como juiz, ao mesmo tempo meu advogado", escreveu.