A Rússia decretou na quarta-feira (21) uma mobilização parcial para fortalecer a campanha na Ucrânia, mas seus efeitos provavelmente não serão sentidos por alguns meses e devem ser acompanhados por problemas logísticos e de treinamento significativos.
O anúncio altamente simbólico do presidente russo, Vladimir Putin, afeta inicialmente 300 mil reservistas. Esse volume pode parecer significativo em comparação com os 220 mil soldados que foram enviados para o front desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro, de acordo com James Rand, analista da agência de inteligência militar privada britânica Janes.
No entanto, como afirma Rand, "nenhuma mobilização é possível da noite para o dia", citando um período mínimo de três meses entre a emissão da ordem de mobilização e o envio de um soldado treinado.
— Levará meses para mudar as coisas, se é que podem ser feitas — confirma Christopher Miller, especialista em Rússia do Instituto de Pesquisa de Relações Exteriores da Filadélfia (FPRI).
Para Miller, com base no conhecimento atual, a Rússia poderia ter "dificuldades de mobilização e treinamento, bem como de desdobramento de forças para o front com os equipamentos necessários".
Treinar um soldado de assalto
Nos primeiros dias do conflito, o exército russo teve problemas para coordenar suas unidades e forças (terrestre, marítima, aérea) e para implantar a logística material essencial para o combate.
A mobilização de 300 mil soldados exigirá um grande esforço precisamente nesses campos.
Alguns observadores acreditam que a Rússia poderia enviar rapidamente reservistas para completar unidades parcialmente destruídas e realizar tarefas simples, como dirigir caminhões ou conduzir patrulhas de vigilância. Por outro lado, treinar um soldado e garantir sua motivação para atacar é muito mais complexo, principalmente se o equipamento for básico.
— Não há muitos uniformes de inverno, equipamentos médicos ou rações de comida — lista James Rand.
E quanto aos comandantes: "Como vão mobilizar oficiais e suboficiais para esta força?", questiona, citando algumas funções que são necessárias como agentes de reconhecimento e membros da artilharia.
De fato, a mobilização decretada na quarta-feira mostra tanto o desejo de fortalecer a ofensiva quanto de compensar os pontos fracos.
"O exército russo está derrotado militarmente", mas "a Rússia tem mais profundidade estratégica e demográfica do que a Ucrânia. E pretende vencer 'pelo peso'", tuitou o historiador militar francês Cédric Mas.
Qual a chance de Putin usar armas nucleares na guerra da Ucrânia
Leia a coluna completa
Mortos, feridos, desertores
Há cerca de 15 anos, a Rússia reduziu o tempo de serviço militar para um ano e tenta criar um exército com 80% de profissionais. No entanto, a realidade está longe.
De acordo com a lei russa, os recrutas não devem ser enviados para o front. Mas o Estado-Maior forçou a assinar mais ou menos sob pressão na Ucrânia contratos de recrutas que se tornaram soldados profissionais da noite para o dia, pelo menos no nível administrativo. Os reservistas agora estão presos pela ordem do Kremlin.
— O decreto de Putin proíbe qualquer pessoa de sair — diz o historiador independente Chris Owen, para quem a mobilização busca "acabar com a erosão do exército russo", seja em termos de mortos, feridos ou desertores.
— Evidências fundamentadas mostram que a eficácia no combate cai rapidamente, entre 140 e 180 dias. Muitos hoje lutam há mais de 200 dias — acrescenta.
No campo militar do conflito, o anúncio de Putin gera mais dúvidas do que certezas, em um contexto pesado: cada dia que passa aproxima o temido inverno. Chris Owen estima que progressivamente haverá uma diminuição no número de operações.
— As ofensivas vão desacelerar até o degelo em fevereiro e março (...) Este não é um momento ruim para rotações — diz o historiador, para quem Putin pode "reorganizar e descansar seu exército exausto" durante o período de inverno.
Até lá, o exército ucraniano deve continuar com as contraofensivas no nordeste e sul do país que vem desenvolvendo nos últimos dias.
— Os ucranianos têm uma chance real de reconquistar território adicional nas próximas semanas no Donbas e no sul — segundo Miller.