Na área de desembarque do aeroporto de Yerevan, na Armênia, Sergei parece abatido e exausto depois de fugir às pressas da Rússia com seu filho por medo de ser enviado para o front na Ucrânia.
O homem de 44 anos, que prefere não mencionar seu sobrenome, é um entre os milhares de russos que deixaram seu país desde a invasão da Ucrânia, um fenômeno que parece ter aumentado desde o anúncio, na quarta-feira (21), pelo presidente Vladimir Putin, de uma mobilização parcial de reservistas. O informe presidencial dizia que 300 mil reservistas serão convocados, mas muitos russos temem uma mobilização muito maior.
— A situação na Rússia me fez decidir sair. Sim, saímos da Rússia por causa da mobilização — afirmou.
Seu filho de 17 anos, Nikolai, concorda:
— Decidimos não esperar a convocação para o exército.
Ele fala da incerteza que reina no país e expressa sua tristeza diante dos acontecimentos. Sentimento compartilhado por outros russos que chegaram no mesmo voo à Armênia, país do Cáucaso onde podem ficar até 180 dias sem precisar de visto.
— Não é uma boa coisa ir para a guerra no século XXI, para dizer o mínimo — diz Alexei, 39 anos, que não sabe se poderá retornar à Rússia um dia. —Tudo vai depender da situação — avalia.
Outro russo, que não quis dar seu nome "por razões de segurança", afirma que ficou chocado quando a mobilização foi anunciada. Na Rússia, "quase ninguém apoia esta guerra", diz, antes de acrescentar:
— É tão doloroso, só quero que acabe.
Desde a ordem de mobilização de Vladimir Putin, a maioria das pessoas que chegam a Yerevan é formada por homens em idade de combate. Muitos deles pareciam assustados e relutantes em compartilhar suas razões para deixar tudo para trás.
Na quarta-feira (21), mais de 1.300 pessoas foram presas em toda a Rússia em protestos contra a mobilização, segundo a ONG especializada OVD-Info.
Medo
Dmitri, 45 anos, explica que fugiu para a Armênia com uma única mochila, deixando para trás a esposa e os dois filhos, sem "nenhuma ideia" do que fará.
— Não quero ir para a guerra. Não quero morrer nessa guerra sem sentido. É uma guerra fratricida — resume.
De acordo com a ferramenta Google Trends, que acompanha as tendências de busca no Google, a frequência das pesquisas relacionadas a deixar a Rússia aumentaram quase 100 vezes após o anúncio da mobilização na manhã de quarta-feira.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse, nesta quinta, que os relatos de um êxodo de russos foram muito exagerados. No entanto, voos da Rússia, muito limitados e caros desde a adoção das sanções ocidentais na sequência da invasão da Ucrânia, se esgotaram para os próximos dias para quase todos os destinos ainda disponíveis.
Nas redes sociais, muitos temem um iminente fechamento de fronteiras, que privaria os russos de qualquer saída, inclusive por via terrestre.
Um moscovita de 23 anos, gerente de projeto, disse sob condição de anonimato que havia reservado um voo com urgência após o anúncio da mobilização, pretendendo deixar a Rússia em outubro.
— Tenho medo da mobilização. Sou um dos que correm o risco de ser convocado — disse.
Entre os amigos, "alguns foram às manifestações (contra a mobilização) porque não têm nada a perder. Outros examinam as leis e consultam advogados para saber se correm o risco de serem chamados", continua o jovem.
De acordo com os últimos dados do Serviço de Imigração da Armênia, em junho, quase 40 mil russos chegaram ao país desde o início da invasão da Ucrânia. Na Geórgia, país vizinho, 50 mil chegaram no mesmo período, segundo dados oficiais.
Apoiadores do conflito
Enquanto alguns russos se opõe ao conflito na Ucrânia e tentam deixar o país, o Estado-Maior da Rússia afirmou, nesta quinta-feira (22), que aproximadamente 10 mil pessoas se apresentaram nas últimas 24 horas de forma voluntária para serem mobilizadas na ofensiva contra a Ucrânia, após o anúncio do presidente Vladimir Putin.
— No primeiro dia de mobilização parcial, cerca de 10 mil cidadãos foram por vontade própria ao escritório de recrutamento, sem esperar sua convocação — disse o porta-voz do Estado-Maior, Vladimir Tsimlyansky, à agência de notícias Interfax.
Nas imagens publicadas nas redes sociais, supostamente da cidade de Yakutia, na Sibéria, via-se homens de semblante sério abraçados a seus familiares, alguns deles chorando, antes de embarcarem em um ônibus
Em outras imagens publicadas no Mash, um conhecido canal do Telegram, uma fila de homens foi vista à noite em uma pista de aterrissagem, na frente de um avião de tropas.
Já um vídeo que teria sido gravado na república russo-caucasiana da Chechênia mostrava dezenas de jovens escoltados pela polícia, enquanto caminhavam pela rua.
O Ministério da Defesa não divulgou qualquer imagem oficial da mobilização, nem números das pessoas convocadas pelo Exército.