A funcionária de uma emissora de televisão russa que invadiu um noticiário governista para denunciar a ofensiva na Ucrânia foi libertada nesta terça-feira (15), após ser condenada a pagar multa equivalente a R$ 1,4 mil.
Marina Ovsiannikova poderá, no entanto, responder a acusações penais com severas penas de prisão, segundo uma lei que reprime qualquer "informação falsa" sobre as forças militares russas.
A mulher de 43 anos invadiu na noite de segunda-feira (14) a emissora Pervy Kanal, durante a transmissão ao vivo do noticiário do canal, onde ela trabalha como produtora. Ela exibia um cartaz que dizia "Não à guerra, não acreditem na propaganda. Aqui estão mentindo para vocês".
As imagens de seu gesto deram a volta ao mundo e, nas redes sociais, muitas pessoas elogiaram sua "extraordinária coragem", em um contexto de dura repressão a qualquer voz crítica na Rússia.
O presidente francês, Emmanuel Macron, propôs inclusive uma "proteção consular", tanto na embaixada quanto concedendo-lhe asilo.
Nesta terça, um tribunal de Moscou a declarou culpada de cometer uma "infração administrativa" e a condenou a pagar uma multa de 30 mil rublos (R$ 1,4 mil no câmbio atual), informou um jornalista da AFP presente na audiência.
"Muito difícil"
Após a audiência, durante a qual se declarou não culpada, Marina disse querer "descansar" após momentos "tão difíceis".
— São dias muito difíceis na minha vida, passei dois dias sem dormir, o interrogatório durou 14 horas — disse em curta declaração à imprensa.
— Não tive direito a falar com pessoas próximas, não tive acesso a uma assistência jurídica e é por isso que estava em uma posição tão difícil — acrescentou. — Hoje tenho que descansar.
Contudo, o mais duro para ela ainda pode estar por vir. A audiência desta terça-feira não estava diretamente relacionada com a invasão de Marina durante o telejornal, mas com a difusão em paralelo de um vídeo na internet no qual denunciava a entrada de tropas russas na Ucrânia. No vídeo, a mulher explicou que seu pai é ucraniano e sua mãe, russa, e que não suportava a difusão de "mentiras" que transformam os russos em "zumbis".
Seu advogado disse à AFP temer que ela seja julgada por publicação de "informações caluniosas" sobre o exército russo, um crime que pode ser punido com penas de até 15 anos de prisão.
O uso da palavra "guerra" pela imprensa russa ou por particulares para descrever a intervenção russa na Ucrânia é punido com julgamento e fortes sanções. As autoridades russas se referem à sua ofensiva na Ucrânia como "operação militar especial".
Para o Kremlin, a ação de Marina foi "vandalismo", nas palavras do porta-voz Dmitri Peskov. Mas, no Exterior, multiplicaram-se as demonstrações de apoio a essa mulher, mãe de dois filhos pequenos.
Em Bruxelas, um porta-voz do chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, aplaudiu seu gesto, avaliando que ela tinha "tomado uma posição moral corajosa e ousada ao se opor às mentiras e à propaganda do Kremlin ao vivo em uma emissora de televisão controlada pelo Estado".