Em Mykolaiv, uma cidade do sul da Ucrânia que vem servindo como barreira para o acesso a Odessa, o principal porto do país, os moradores se dizem dispostos a resistir para repelir o avanço dos russos, apesar dos bombardeios incessantes.
No bairro de Ingolsky, um pedaço de foguete caiu no meio da rua. Ao lado dele, um cone de trânsito foi colocado para alertar motoristas e pedestres.
Um pouco mais adiante, no cemitério da cidade, também caiu outro projétil. Ali, uma dezena de familiares compareceram nesta segunda-feira (21) para sepultar o soldado Igor Dondukov, 46 anos, morto com dezenas de companheiros seus em um bombardeio russo contra um quartel situado ao norte de Mykolaiv quatro dias antes. Ainda não se sabe quantos morreram no ataque.
O irmão mais velho, Sergei, de cabelo grisalho, beija seu rosto manchado de sangue entre soluços. Ele é seguido por sua esposa, Galina, que insere um crucifixo no bolso dianteiro do uniforme do falecido, antes de o caixão ser fechado para ser enterrado.
— Se alistou no exército no começo da invasão — conta Sergei Dondukov. — Nós o apoiávamos em seu compromisso de proteger nossa pátria — acrescenta, enquanto, ao fundo, continuam ressoando os tiros de artilharia.
— Não temos para onde ir, nem família no exterior — assinala a esposa, Galina.
Apesar de grande parte da população da cidade de 500 mil habitantes ter fugido — sobretudo rumo a Odessa, a 130 quilômetros para o oeste —, existem aqueles que decidiram ficar e se mostram determinados a aguentar.
Pela tarde, um bombardeio destruiu um edifício que, segundo testemunhas, abrigava um hotel e um banco. A poucos metros dali, Anatoly Yakunin, 79 anos, recolhe tranquilamente os escombros causados pela explosão.
— Sair? Mas para quê? — diz, surpreso, revelando em seu sorriso muito dentes de ouro. — Tenho quatro netos aqui, um deles na guerra. Como poderia deixá-los?
Velas, chá e gamão
No bairro de Kulbakino, onde há diversos edifícios de apartamentos, a população vem se reduzindo a cada semana, de 12 mil para menos de mil, segundo Alexander Zadera, 56 anos. Ele mesmo teve que evacuar sua mãe octogenária depois que o prédio em que vivia foi atingido por um bombardeio em 7 de março.
— Já nos acostumamos a jantar com este tipo de ruído de fundo — garante, ao se referir ao eco dos bombardeios. — Agora, minha mãe já sabe reconhecer o som dos diferentes tipos de disparos e bombardeios — comenta o ex-coronel da força aérea.
Os moradores se instalaram em porões de edifícios para se refugiar. Entre dois colchões, há um tabuleiro de gamão, com uma partida em andamento.
Na sala principal, iluminada por velas, uma professora, Inna Kuriy, conversa com suas amigas e vizinhas bebendo chá.
— Passamos as noites aqui, rezando pelos nossos soldados, pela nossa pátria — explica. — Cada vez que há um ataque ou um bombardeio, descemos para cá. Depois, quando a situação se acalma, voltamos para cima. É assim o tempo todo — acrescenta Inna Kuriy.
A professora também está tentando organizar aulas a distância para os alunos que tiveram que deixar a cidade ou o país.
— Éramos bastante numerosos aqui no princípio, mas muita gente se foi da cidade porque tinham filhos ou família, mas nós permaneceremos aqui até o final — garante. — Nós, os ucranianos, somos gente pacífica, mas não daremos o nosso país para ninguém.