Já fui mais otimista em relação a um acordo de cessar-fogo, no curto prazo, entre Rússia e Ucrânia. Primeiro porque, apesar da chuva de bombas e do cerco às principais cidades ucranianas, o diálogo nunca cessou e, presencialmente ou de forma virtual, as negociações seguem. Pior seria se as conversas fossem suspensas. Segundo porque havia outro bom sinal: as reuniões começaram tendo como participantes integrantes de terceiros escalões, tendo subido na cadeia de comando até os ministros das Relações Exteriores dos dois países e falando-se até em um possível futuro encontro entre os presidentes Vladimir Putin e Volodimir Zelensky.
Entretanto, às vésperas de o conflito no Leste Europeu completar um mês, na próxima quinta-feira (24), não apenas uma reunião entre os dois líderes parece improvável a curto prazo como também os dois lados estancaram-se em posições que parecem intransponíveis.
Zelensky já aceitou a realidade de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não deseja o ingresso da Ucrânia como membro. Sejamos sinceros, nunca a aliança militar pensou em tê-la - isso era sonho ucraniano ou narrativa russa para justificar a invasão. Mas ao menos esse ponto está superado.
A questão da "neutralidade", da Ucrânia, outra exigência do Kremlin para o cessar-fogo, também já foi aceita por Zelensky. O modelo, se sueco ou austríaco, com investimento mínimo em orçamento de defesa e distante da Otan, é um detalhe.
O que entrava a negociação são duas questões fundamentais, que estão no princípio de qualquer discussão sobre soberania: território. A Rússia quer o reconhecimento da Crimeia, ocupada e anexada em 2014, e da região do Donbass, onde ficam as duas "repúblicas" separatistas de Donetsk e Luhansk, de maioria étnica russa. Zelensky já havia dito no final de semana à CNN que não abre mão da integridade territorial do país.
Nesta segunda-feira (21), colocou mais um ponto que pode adiar a paz: à TV estatal Suspilne, afirmou que quaisquer eventuais acordos com a Rússia precisarão ser aprovados pelos ucranianos por meio de um referendo.
- As pessoas terão que falar e responder a essa ou aquela forma de acordo. E como eles (os acordos) serão feitos é o assunto de nossas conversas e entendimento entre a Ucrânia e a Rússia - disse.
Falava de Crimeia, Donetsk e Luhansk. Na entrevista, também mencionou que pode levar a referendo garantias de segurança oferecidas à Ucrânia em contrapartida a um compromisso do país de não aderir à Otan.
- Todos nós já entendemos. Não somos aceitos (na Otan) porque eles têm medo da Rússia. Isso é tudo. E precisamos nos acalmar, dizer: "Ok, nos deem outras garantias de segurança" -afirmou.
Garantia de segurança significa algum país ser fiador de sua defesa em caso de ameaça russa no futuro, outro ponto que entrava o diálogo.
O ponto a se comemorar é que, depois do vácuo inicial de um mediador na crise, com ausência de Angela Merkel e falta de reconhecimento de Emmanuel Macron como árbitro independente, a Turquia emergiu como tal. O país é membro da Otan, mas nos últimos anos se aproximou muito da Rússia. Condenou a ação do Kremlin e forneceu armas (drones) à Ucrânia, mas seu presidente, Recep Tayyp Erdogan, usa de métodos de governo que emulam Putin: censura à imprensa, prisão de opositores e centralização de poder. Que sua guinada para o lado errado da História, ao menos, sirva para algo positivo.