Com a eleição do esquerdista Gabriel Boric, 35 anos, com 11 pontos de vantagem para o adversário de extrema-direita, o Chile apostou no domingo (19) em mudar de modelo para um Estado de bem-estar e assegurar o avanço da nova Constituição que está sendo redigida.
— Nosso projeto significa avançar em mais democracia e (...) defender e cuidar do processo da Constituinte, motivo de orgulho mundial — afirmou Boric, deputado e ex-líder estudantil, que, com a idade mínima para disputar a presidência, será o chefe de Estado mais jovem na história do país.
Com 55,8% dos votos, Boric derrotou no segundo turno o advogado de extrema-direita José Antonio Kast (44,1%), de 55 anos, que admitiu a derrota e se ofereceu para "ser uma colaboração para a pátria" durante o governo do rival.
Boric chegou à presidência como candidato da coalizão Aprovo Dignidade, formada pela Frente Ampla e o Partido Comunista.
Processo constituinte
— Cuidemos todos deste processo para ter uma Carta Magna que seja de encontro e não de divisão, como a que eles impuseram com sangue e fogo por meio de um plebiscito fraudulento em 1980 e que nos custou tanto para mudar — afirmou o presidente eleito diante de milhares de simpatizantes no centro de Santiago ao comentar a Constituição elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
A futura Constituição substituirá a vigente, que sustenta o modelo neoliberal que gerou crescimento econômico, mas que foi muito criticada durante os protestos de outubro de 2019 como a origem da desigualdade no país.
Claudia Heiss, professora de Ciências Políticas da Universidade do Chile, declarou à AFP que durante as três décadas de democracia "muitos elementos da ditadura foram mantidos".
— Hoje, com o processo constituinte é possível modificá-los e acredito que Boric encarna esse ideal de mudança — disse Heiss, para quem a candidatura de Kast, admirador declarado de Pinochet, "colocava em perigo o processo constituinte".
— Nos dá a garantia de que a nova Constituição será realmente feita e isso é fundamental — afirmou à AFP, sem conter as lágrimas, Jennie Enríquez, de 45 anos e funcionária de uma farmácia de Santiago, durante a comemoração da vitória de Boric.
A juventude determinante
— É interessante que o governo seja liderado por alguém que tem o compromisso com o sucesso do processo constituinte — disse Marcelo Mella, professor da Universidade de Santiago do Chile, que também reconheceu a capacidade de Boric de conquistar o voto de uma juventude habituada à abstenção por falta de referências políticas.
Os jovens saíram às ruas de Santiago e de boa parte do país para celebrar o triunfo do candidato de esquerda.
— Boric tem uma capacidade de agrupar muitos grupos diferentes, diversidades sexuais, grupos que não pensam igual, esquerda, centro-esquerda, centro. Boric tem a capacidade de agrupar todas estas diferenças — disse o estudante Pedro Carballeda, 19 anos.
— Há toda uma geração de pessoas que votaram esporadicamente ou não votaram e hoje estão se incorporando ao processo político no Chile, o que do ponto de vista do compromisso cívico cidadão é bom para este país que precisa fortalecer a democracia — declarou Mella.
O segundo turno chileno teve uma taxa de participação de 55%, o maior índice desde 2012. Heiss considera que Boric "conseguiu mobilizar o segmento que é mais difícil de mobilizar, que é o segmento dos jovens".
Desafios do futuro
Apesar da alegria e das promessas de campanha, como a mudança para um Estado de bem-estar, pensões públicas garantidas, saúde e educação universal e de qualidade, além de respeito aos direitos humanos, como declarou em seu discurso de vitória, os analistas concordam que o governo de Boric - que assumirá o poder em 11 de março de 2022 - terá dificuldades.
— Em um governo que promete ser transformador como o dele, o principal desafio é estar à altura das expectativas e não será fácil — disse Heiss, antes de recordar que, com um Congresso dividido quase igualmente entre esquerda e direita, será complicado aprovar reformas sociais.
— Vai ser muito difícil explicar isso para a população — afirmou.
O presidente eleito reconheceu as dificuldades no discurso de vitória:
— Os tempos que virão não serão fáceis. Deveremos que enfrentar as consequências sociais, econômicas e de saúde da pior pandemia que nosso país viveu em mais de um século — disse Boric.