Por Roberto Rodolfo Georg Uebel
Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-POA)
Após cinco dias de grande indecisão e expectativas não apenas entre os eleitores norte-americanos, mas em todo o mundo, o democrata Joe Biden foi declarado vencedor de uma das mais polarizadas eleições da história e será, a partir de 20 de janeiro de 2021, o 46º presidente dos Estados Unidos. O ex-vice-presidente de Barack Obama dará fim ao ciclo do breve governo Donald Trump e enfrentará uma série de desafios para reposicionar e relegitimar o seu país no sistema internacional.
A administração de Trump, figura política que poderá radicalizar a sua agenda nos dois meses de governo que ainda restam, posto que não tem mais nada a perder, foi marcada pela ruptura dos acumulados históricos da diplomacia norte-americana. Em quatro anos, a superpotência global se afastou de seus parceiros tradicionais, inflamou conflitos geopolíticos e criou um contencioso geoeconômico sem precedentes com a outra grande potência internacional, a China, além de agravar o cenário regional com o Irã, no Oriente Médio, antes do começo da pandemia de 2020, o que poderia ter criado uma nova crise regional sem precedentes.
Joe Biden assumirá a presidência de um país dividido internamente e com crescente desprestígio externo, salvo dentre os que então apoiavam e adoravam a tudo aquilo o que Trump representava, inclusive o atual presidente brasileiro. Biden deverá resgatar os laços de confiança da União Europeia, de Canadá, Japão e das novas lideranças políticas latino-americanas, subcontinente que se viu à mercê de grande ingerência do seu antecessor e seus dois então secretários de Estado. A China, pelo bem das economias norte-americana e mundial, poderá ver a sua relação com os Estados Unidos sob um patamar de retorno aos velhos trilhos do respeito e da cooperação, símbolo de uma balança de poder cada vez mais pós-ocidental.
Como todo presidente norte-americano, Biden deverá, por obrigação do ofício e da tradição política, deixar a sua marca doméstica e internacional, tarefa que não será fácil, haja vista a necessidade de reconquistar a imagem dos Estados Unidos e reconstruir os trilhos do padrão da diplomacia norte-americana. Por essa razão, sua administração deverá dar um caráter de continuidade às duas gestões de Obama, além de resolver os cenários criados por Trump, como as lides com Beijing, os países árabes e muçulmanos, Israel e inclusive o Brasil.
No caso do Brasil, o governo e Itamaraty até o momento não reconheceram a vitória de Biden e tampouco o cumprimentaram, o que coloca o país ao lado de líderes como os de Coreia do Norte, Arábia Saudita e Rússia. Cabe uma reflexão sobre a sua relação com o novo governo democrata a partir de janeiro de 2021.
No último encontro entre Biden e Trump, o Brasil apareceu pela primeira vez na história em um debate presidencial norte-americano, justamente pela inação do governo federal face às queimadas na Amazônia e no Pantanal, ou seja, por causa da temática ambiental, uma das principais pautas de Biden. Além disso, cabe refletir sobre como o Brasil, cada vez mais isolado no sistema internacional, prosseguirá sem o apoio dos Estados Unidos em suas pautas ultraconservadoras e de baixa adesão global, apoiadas quase que exclusivamente por Hungria e Polônia, cujos governos já parabenizaram Biden pela vitória.
Trump e o presidente brasileiro mantiveram, ao longo de dois anos, uma relação de aproximação pessoal, não necessariamente refletida nas relações econômicas e comerciais entre os dois países. A coexistência de Trump e Michel Temer foi curta, enquanto Dilma Rousseff, apesar do escândalo de espionagem que postergou a sua visita de Estado a Washington, manteve boas relações com Obama e Biden, que inclusive esteve em sua posse presidencial em 2015.
É difícil prever como será a atuação do governo Biden com relação ao Brasil, mas há sinalizações de que Brasília deverá colocar-se, assim como durante o governo Obama, nos trilhos de uma política externa realista, no sentido da realidade, e adequada aos fatos políticos globais, como a questão ambiental, os grandes temas da democracia e a própria pauta econômica.
Em sendo uma continuação do legado deixado por Obama, Biden terá como opção enfatizar o ponto-chave da sua campanha na área de política externa: o meio ambiente e a preocupação com as mudanças climáticas. Com um Congresso também dividido, terá muitos desafios e freios nesta trajetória. No país do check and balance, os próximos anos e, principalmente, as eleições de 2024 deverão representar o verdadeiro divisor de águas da política norte-americana.