O espancamento de um negro por policiais em Paris, França, reabriu um debate sobre racismo e violência policial nesta sexta-feira (27) no país, em plena polêmica sobre um projeto de lei sobre segurança. As fortes imagens mostrando quatro policiais espancando um produtor de música negro na porta de seu estúdio geraram uma onda de indignação na França.
Os agentes foram detidos nesta sexta para um interrogatório na sede da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN). Na cena, capturada por câmeras de segurança e que dura vários minutos, os agentes são vistos socando, chutando e batendo com um cassetete na vítima, Michel Zecler, a quem a polícia chamou a atenção por aparentemente não estar usando máscara.
A onda de consternação atingiu os mais altos escalões do governo e do mundo do esporte. O presidente francês Emmanuel Macron ficou "muito chocado" depois de assistir ao vídeo, informou seu gabinete. Grandes estrelas do futebol, como Antoine Griezmann e Kylian Mbappé, também reagiram com indignação ao vídeo que se tornou viral nas redes sociais.
Este novo caso de violência policial também apareceu em várias primeiras páginas dos principais jornais franceses.
"Náusea", manchete do jornal Libération na primeira página, mostrando uma foto do rosto coberto de sangue de Michel Zecler; já à noite o Le Monde publicou, também na capa, imagens da polícia agredindo o produtor.
"Mancharam o uniforme da República"
O presidente francês se encontrou com o ministro do Interior, Gérald Darmanin, na quinta-feira (26), e pediu-lhe que tomasse medidas contra a polícia. Após a reunião, o ministro anunciou a suspensão dos agentes envolvidos neste caso de violência, que, segundo ele, "manchou o uniforme da República".
Os agentes, que estavam suspensos das suas funções, encontram-se presos na sede da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN), para serem interrogados. A promotoria de Paris abriu uma investigação na terça-feira por "violência" e "falsificação de registros públicos".
Segundo Michel Zecler, os policiais o chamaram repetidamente de "negro de merda" enquanto o espancavam. Seu depoimento reabre o debate sobre racismo estrutural e violência dentro da polícia francesa, algo que as autoridades negam categoricamente. Mas vários casos nos últimos anos alimentam essa tese.
A violência contra Zecler ocorre após o violento desmantelamento, na segunda-feira (23), de um campo informal de imigrantes no coração de Paris. As imagens dessa evacuação, filmadas por jornalistas e ativistas, causaram irritação entre os franceses e levaram à abertura de um relatório da Inspeção Geral da Polícia.
Entre as imagens que foram veiculadas nas redes sociais estão policiais dispersando migrantes ainda dentro das barracas, além de um agente tropeçando em um migrante.
Lei de segurança global
Além disso, esses casos, revelados por imagens veiculadas nas redes sociais, acontecem em meio a um debate na França sobre um polêmico projeto de lei de segurança que tem como objetivo restringir o direito de filmar policiais durante suas intervenções.
A lei foi denunciada por jornalistas, que a consideram uma violação da liberdade de imprensa, e gerou manifestações nas últimas duas semanas. Uma nova manifestação está marcada para sábado (28) em Paris.
O texto, que foi aprovado pela Assembleia Nacional na terça-feira (24) e deve ser analisado pelo Senado, gerou polêmica nos últimos dias. Enquanto os sindicatos da polícia, a direita e a extrema-direita o aprovam, a esquerda e os defensores das liberdades públicas veem neste projeto uma violação da liberdade de informação e um sinal de um viés autoritário do governo.
O artigo mais polêmico do texto tem como pena um ano de prisão e 45 mil euros (US$ 53,6 mil) de multa pela divulgação da "imagem do rosto ou de qualquer outro elemento identificador" de membros das forças da ordem em atuação, quando "atenta" sobre a sua "integridade física ou psicológica".
"Sem imagens, esses casos não viriam à tona", disseram vários jornalistas após a revelação do espancamento de Michel Zecler.
Para acalmar os ânimos, o primeiro-ministro Jean Castex anunciou na noite de quinta a criação de uma "comissão independente encarregada de propor reescrever" o polêmico Artigo 24 da lei de segurança global. Mas essa iniciativa irritou os parlamentares, que a veem como uma interferência do Executivo em suas prerrogativas.