A França continua se opondo ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul em seu estado atual e considera o desmatamento um problema "maior" - informou o governo nesta sexta-feira (18).
Após receber relatório de um comitê de especialistas independentes, alertando para os riscos ambientais que a entrada em vigor desse acordo acarretaria, o governo francês apresentou três "exigências" para a continuidade das negociações. Entre elas está o respeito ao Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.
Exige também que as importações para o bloco procedentes dos países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai) respeitem as normas sanitárias e ambientais europeias.
"O desmatamento coloca em risco a biodiversidade e altera o clima. O relatório (...) confirma a posição da França de se opor ao projeto", tuitou o primeiro-ministro Jean Castex.
O Executivo francês lamentou que o projeto de acordo "não contém nenhum dispositivo que permita disciplinar as práticas dos países do Mercosul no combate ao desmatamento. Isso é o principal ponto que falta neste acordo e o principal motivo pelo qual, no estado atual, as autoridades francesas se opõem ao projeto".
Além disso, a França rejeita "a falta de ambição" do texto atual, no que se refere a questões ambientais.
"Os outros países que nos criticam não têm problemas de queimada porque já queimaram tudo nos seus países", reagiu o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, durante encontro com empresários do setor agrário.
O relatório foi encomendado pelo governo francês no ano passado para avaliar o impacto desse acordo de livre-comércio assinado no ano passado, após duas décadas de negociações.
"O acordo representa uma oportunidade desperdiçada para a UE usar seu poder de negociação para obter garantias sólidas que respondam" às "expectativas ambientais, de saúde e (...) sociais dos seus concidadãos", concluiu a comissão de especialistas presidida pelo economista Stefan Ambec.
Concretamente, avalia-se o risco de desmatamento ao estimular a área adicional de pastagens que seriam necessárias ao Mercosul para suprir o aumento da produção de carne bovina destinada à UE (entre 2% e 4%) e conclui em "uma aceleração anual de 5%".
O relatório estima também "entre 4,7 e 6,8 milhões de toneladas equivalentes de CO2" o aumento de emissões de gases de efeito estufa gerado pelo acordo e questiona se os "ganhos econômicos" superam "os custos climáticos", com base em um valor de carbono de 250 euros por tonelada.
Lamenta, ao mesmo tempo, que, embora o texto cite o Acordo de Paris contra a mudança climática, não haja "condições específicas" para ambas as partes enfrentarem "suas responsabilidades com as gerações futuras".
- Outros países também hesitam -
O presidente Emmanuel Macron já havia se manifestado contra esse acordo no ano passado, em meio a uma crise diplomática com Bolsonaro, decorrente dos incêndios na Amazônia.
No entanto, "a França não quer parar tudo, pelo contrário, queremos bater no ferro enquanto está quente", disse uma fonte do Executivo.
As três "exigências" formuladas pelo governo são: que o acordo não pode em "nenhum caso causar aumento do desmatamento", que as "políticas públicas do Mercosul estejam plenamente de acordo com seus compromissos com o Acordo de Paris" e que o os produtos agroalimentares importados com acesso preferencial respeitam as normas europeias de saúde e ambientais.
"Vemos alguns focos de incêndio no Brasil. Isso já acontece há anos e temos sofrido uma crítica muito grande. Porque obviamente quanto mais nos atacarem, mais interessa aos nossos concorrentes, para o que temos de melhor, que é o nosso agronegócio", disse Bolsonaro.
Além da França, diversos países, como Alemanha, Bélgica, Irlanda e Áustria, expressaram recentemente sua relutância em prosseguir com o acordo, principalmente devido ao desmatamento.
Até a chanceler alemã, Angela Merkel, cujo país defendeu por muito tempo o acordo comercial, expressou pela primeira vez em agosto "sérias dúvidas" quanto a sua aprovação.
Para que entre em vigor, todos os parlamentos nacionais da UE têm de ratificá-lo. Por enquanto, o texto poderia ser apresentado aos chefes de Estado e de governo em um Conselho Europeu durante o outono.
De acordo com uma pesquisa recente da YouGov, realizada com mais de 5.000 pessoas na Espanha, Alemanha, França e Holanda, 3 em cada 4 entrevistados querem interromper o negócio se contribuir para o desmatamento e prejudicar o meio ambiente.
* AFP