Por Nelson Düring
Editor do site Defesanet.com.br
A eleição de Jair Bolsonaro levou a uma concepção de que as ações do governo brasileiro estariam automaticamente alinhadas com a administração de seu colega Donald Trump.
Algumas ações iniciais no sentido de alinhamento, como a tentativa frustrada de entregar alimentos à Venezuela, em Pacaraima (RR), em 23 de fevereiro de 2019, levantavam o espectro de uma interferência militar no país vizinho. Porém, desde cedo o Itamaraty e Bolsonaro tentaram descobrir com qual EUA falavam. Há vários interlocutores em Washington, entre os quais o departamentos de Estado e Comércio, o Tesouro, a Justiça e o Pentágono, vários desses com agenda própria e, em muitos casos, diferente da do ocupante da Casa Branca, independentemente de qual partido este seja.
Uma semana após a exitosa visita de Bolsonaro à capital norte-americana, em 18 e 19 de março do ano passado, o ministro da Defesa do Brasil, general Fernando Azevedo, foi recebido com honras no Pentágono pelo Secretário da Defesa Patrick Shanahan e pelo Chefe do Estado-Maior, general Joseph Dunford. A postura tímida brasileira só levantou suspeitas, pelo lado norte-americano, de até onde o Brasil queria ser seu parceiro.
Isso muito diferentemente de quando os presidentes George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva encontraram-se na Casa Branca em 23 de junho 2003. Aquela reunião, chancelada por pesos pesados como os diplomatas Tomas Shannon e Donna Hrinak, abriu o caminho para que o Brasil fosse indicado pelos norte-americanos para liderar a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah).
Surgiram desconfianças dos dois lados. Para os militares brasileiros, estavam sendo desviados de sua missão (?). E, para o establishment diplomático e militar de Washington, era um erro indicar os “inexperientes” brasileiros. “Enviem os US Marines que resolvem a situação do Haiti”, afirmou o Washington Times. A Minustah gerou dois efeitos importantes: um esforço de modernização das Forças Armadas Brasileiras, nos 13 anos que durou, e sua inserção no cenário internacional. Surge o “soft power” brasileiro na condução da missão: cordialidade sempre e ação quando necessário.
Nem tudo está perdido. Após quase 20 anos de eternas discussões e boicotes no Congresso Nacional, foi assinado o acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), documento básico que permitirá a empresas norte-americanas realizem lançamentos do Centro de Lançamentos Espacial de Alcântara. Porém, tecnologias disruptivas introduzidas nos últimos anos, como o operador SpaceX, poderão reduzir em muito as vantagens competitivas propiciadas pela localização geográfica de Alcântara.
Não foi fechado nenhum contrato com os EUA até o momento, e o mais emblemático é a indecisão do Exército Brasileiro em confirmar a aquisição do C-23 Sherpa, que criaria a aviação de asa fixa da força. Enquanto isso, a Argentina, que tem um governo hostil aos EUA, tem liberada a aquisição de viaturas blindadas Stryker com avançados sistemas de comunicação.
O alinhamento Brasil-EUA até o momento, pode-se concluir a partir disso, tem sido mais um mito do que uma realidade.