SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nascido em uma família de imigrantes chineses na ilha de Java (na Indonésia), Benny Widyono caminhava pelas ruas de Santiago, no Chile, onde trabalhava como consultor da ONU, nos anos 1970, quando se espantou com grafites que diziam "Yakarta viene", e "Djakarta se acerca".
Significavam "Jacarta vem" e "Jacarta se aproxima", usando duas grafias diferentes para a capital da Indonésia em espanhol.
As referências a seu país de origem o deixaram intrigado. Logo ele entenderia que eram uma espécie de senha dos militares chilenos para perseguir comunistas, inspirada no extermínio de ao menos 500 mil pessoas após um golpe no país asiático, deflagrado em 1965.
A história é contada no recém-lançado livro "The Jakarta Method" (o método Jacarta), do jornalista americano Vincent Bevins, ainda sem previsão de uma edição brasileira.
Ex-correspondente do jornal The Washington Post na Indonésia, Bevins morou também no Brasil, onde trabalhou para o Los Angeles Times e foi colaborador da Folha.
A partir dos relatos de pessoas que foram perseguidas pela ditadura indonésia, Bevins costura um panorama global da Guerra Fria e busca estabelecer relações com outros países.
A perna chilena não foi a única na América Latina. No Brasil, há relatos revelados pela Comissão Nacional da Verdade de que a linha-dura militar usava livremente a expressão "Operação Jacarta" no auge da ditadura para sinalizar repressão implacável a opositores.
"Estava claro que Jacarta significava assassinato em massa anticomunista e extermínio organizado de civis que se opunham à construção de regimes capitalistas autoritários leais aos EUA. Significava desaparecimentos forçados e terror de Estado sem arrependimentos", afirma o livro.
Uma das vítimas dessa operação no Brasil teria sido o jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 após ser preso em São Paulo.
Também há relatos de um ex-agente da ditadura uruguaia de que o ex-presidente João Goulart teria sido assassinado na Argentina, em 1976, no escopo dessa radicalização, o que nunca foi comprovado.
Tudo indica, no entanto, que Operação Jacarta era mais um grito de guerra de alguns elementos militares do que uma estrutura formal, muito como hoje a direita bolsonarista fala em "ucranizar" o Brasil, inspirada na derrubada de um governo pró-Moscou em 2014.
Na tensa disputa entre capitalismo e comunismo do século passado, que teve o Sudeste Asiático como um de seus principais palcos, o Vietnã foi o capítulo mais chamativo.
Mas o livro argumenta, com boa dose de razão, que a Indonésia era um troféu muito mais importante na Guerra Fria. Mais populoso país muçulmano do mundo, tinha o terceiro maior partido comunista do planeta, atrás apenas do soviético e do chinês.
"Os EUA acreditavam que a perda Indonésia seria a maior coisa desde a queda da China", escreve Bevins.
Na crônica das grandes violações contra os direitos humanos cometidas no século 20, o golpe indonésio recebe menos atenção do que deveria, talvez porque coincidiu com o momento em que a Guerra do Vietnã saía de controle.
A derrubada do presidente Sukarno, o pai da independência do país, foi pintada como uma reação à ameaça comunista, embora ele fosse um típico nacionalista com retórica terceiro-mundista, que chegou a sediar uma conferência de países não-alinhados.
Com os comunistas, ele mantinha uma relação ambivalente, mas isso não bastava para satisfazer o governo americano e, em particular, a CIA, que passaram a apoiar uma ação militar.
A queda de Sukarno, e a substituição pelo quase xará Suharto, que governaria até 1998, guarda semelhanças com a Intentona Comunista de 1935 no Brasil, como nota o livro. Nos dois casos, exagerou-se a ameaça vermelha para justificar uma guinada autoritária.
Bem fundamentado em dados, o livro comete alguns deslizes que poderiam ser evitados com uma revisão mais acurada.
Diz que a abolição da escravidão no Brasil ocorreu em 1881 (foi em 1888), aponta que João Goulart era favorito para ser reeleito em 1965 (essa possibilidade não existia) e afirma que a família real ainda tem influência por aqui (só se for entre a direita mais lunática).
Seu grande mérito é trazer à luz, por meio de histórias contadas por indonésios comuns, um momento dramático da segunda metade do século passado, como a do casal Francisca, tradutora, e Zain, dono de um jornal com tendências comunistas.
No final de 1965, pouco após o início da perseguição contra a esquerda, eles foram levados às 4h da manhã de sua casa por agentes de segurança. Os quatro filhos pequenos ficaram sozinhos.
Separados na delegacia para interrogatório, ela só veria o marido com vida mais uma vez. "Uma hora, trouxeram Zain. Parecia que ele estava lá para dizer adeus, e que tinha sido torturado. Ela [Francisca] podia ver queimaduras de cigarro por todo o seu braço. Quantas, ela não sabia. Era muito difícil contar", conta o livro.
Pouco depois, Zain deixou a sala, levado por agentes da ditadura, e nunca mais foi visto.
THE JAKARTA METHOD
Autor: Vincent Bevins
Editora: Public Affairs
Preço: US$ 25 (316 páginas)
Avaliação: bom