Em quarentena total desde 20 de março, a Argentina alcançou feitos notáveis no enfrentamento ao coronavírus, tendo conseguido achatar o crescimento da curva de infectados e mantendo, até agora, o seu sistema de saúde a salvo do colapso. São 1.265 casos confirmados no país, com 40 mortes. As medidas rigorosas do presidente Alberto Fernández, sobretudo o confinamento obrigatório, são apoiadas por médicos argentinos.
— Estamos em situação muito melhor do que outros países. Isso é reflexo das medidas drásticas. Tivemos ações rápidas e isso ajudou a achatar a curva de infectados. Se espera que o pico ocorra aqui em meados de maio. No momento, o sistema sanitário opera em sua capacidade normal, sem sobrecarga. Estamos preparados para não colapsarmos o sistema. É a forma para que mais pessoas possam sobreviver — analisa Diego Glasbauer, médico de Buenos Aires que atua na pandemia devido a sua especialização no tratamento de pessoas com incapacidades físicas e mentais, consideradas do grupo de risco.
Saídas de argentinos às ruas somente são permitidas para comprar alimentos, remédios ou sacar dinheiro. O transporte público está ativo apenas para profissionais de atividades consideradas essenciais, como trabalhadores das áreas da saúde e da alimentação. Forças policiais foram mobilizadas para fiscalizar o cumprimento das normas, que se estendem por todo o território argentino. Nas periferias das grandes cidades, o Exército está distribuindo gêneros alimentares para tentar conter movimentação de pessoas que precisam trabalhar diariamente para reunir o dinheiro da comida.
— As ruas estão vazias e os mercados com muita fila. As pessoas estão assustadas, assim como a gente. O mais triste disso é estar longe da família, obviamente não podemos voltar ao Brasil. Os treinamentos foram cancelados e temos de ficar em casa — relata o ex-jogador do Inter Guilherme Parede, atualmente no Talleres, de Córdoba.
A decisão de radicalizar no enfrentamento à pandemia levou algumas cidades à paralisia total. Na pequena El Calafate, na região da Patagônia, a economia é amplamente baseada no turismo. Com as fronteiras cerradas e diante de uma crise internacional, não há visitantes. As belezas naturais de gelo do extremo sul argentino não estão sendo contempladas por ninguém: o Parque Nacional Los Glaciares foi fechado.
— Tenho uma pequena pousada que está parada em El Calafate. Não há parque, voos ou ônibus. Cerca de 80% dos nossos turistas são estrangeiros. No início, o governo nos contatou porque queria saber onde havia europeus e asiáticos hospedados. Nas pousadas e hotéis onde havia gente dessas nacionalidades, foi estabelecido um controle, eles foram isolados nos quartos, não podiam sair, e com frequência tiravam a temperatura e checavam se havia sintomas — conta o empresário Jorge Wojda, que descreve um cenário de economia totalmente paralisada em El Calafate.
O tema das finanças preocupa na Argentina, que já passava por dificuldades severas antes mesmo da pandemia. Nesta sexta-feira (3), o governo ampliou as atividades que podem funcionar durante a quarentena total como forma de reduzir o impacto econômico. Foram autorizadas a abrir lojas de material de construção, serrarias e curtumes. A produção florestal e a mineração também receberam sinal verde para operar. A retomada gradual de atividades, embora ainda seja tímida, causou alvoroço e tensão nesta sexta-feira na Argentina. Os bancos, que estavam fechados, foram autorizados a abrir as portas. As agências ficaram lotadas e longas filas se formaram, sobretudo de idosos que correram para sacar valores de pensões e de benefícios sociais. Muitas aglomerações foram flagradas, gerando críticas sobre as possíveis consequências daquilo que está sendo chamado de "o dia em que a Argentina quebrou a quarentena".
Apesar de ter liberado o retorno de algumas atividades, Fernández não dá sinais de que pretende afrouxar as medidas rigorosas determinadas por ele. O presidente, que completou 61 anos nesta quinta-feira (2), publicou um vídeo nas redes sociais em que agradeceu as mensagens de felicitação e manteve os pedidos para que as pessoas não saiam de casa.
— Não são os melhores momentos e cabe a nós viver isso, mas é necessário passar. E vamos passar juntos, unidos. Só peço a vocês que querem me dar um grande presente: que sigam se cuidando, que sigam ficando em suas casas. Esse é o único método que temos para combater esse vírus — disse Fernández.
No Twitter, ele também respondeu uma mensagem de aniversário do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. O texto do argentino foi finalizado com a frase "querido companheiro, a você e a mim nada importa mais do que cuidar da vida da nossa gente".
Fernández criticou recentemente o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, por se opor às medidas drásticas de isolamento. Para ele, há países que "não entenderam a gravidade do problema".
— As declarações e ações de Bolsonaro levam a pensar que o país pode entrar numa mesma espiral que a Itália — disse Fernández, que aumentou os gastos públicos durante a pandemia.
Alvo de críticas, panelaços e buzinaços de empresários, o peronista proibiu, via decreto, as empresas privadas de demitirem funcionários pelos próximos 60 dias. Em atrito com o setor produtivo, ele criou um fundo de garantia para facilitar empréstimos a micro, pequenas e médias empresas. Na esteira da quarentena, determinou pagamentos de benefícios a trabalhadores informais que estão parados e adicionais de salário para profissionais de saúde e segurança.