Centenas de porto-riquenhos foram às ruas pelo décimo terceiro dia consecutivo nesta quinta-feira (25), desta vez para comemorar a renúncia do governador Ricardo Rosselló e exigir "gente nova" no governo devido aos casos de corrupção vinculados aos fundos para o furacão Maria.
"A mesma gente que está no governo e faz parte do mesmo circuito de Ricardo Rosselló também tem que partir", disse à multidão o cantor René Pérez (Residente), que liderou os protestos.
"Não queremos ninguém do passado, queremos gente nova", prosseguiu.
Em um vídeo em sua conta no Instagram, o cantor Ricky Martin disse na madrugada: "Conseguimos, e conseguimos em paz, sem armas, como Gandhi. Exigimos respeito e nos escutaram".
Cedendo à pressão de artistas, sindicatos, de seu próprio partido e de manifestações multitudinárias, Rosselló anunciou sua renúncia na quarta-feira quase à meia-noite.
"Hoje anuncio-lhes que estarei renunciando ao posto de governador efetivo na sexta-feira, 2 de agosto, às 5 da tarde", disse, em um vídeo difundido por seu governo no Facebook.
Nesta quinta-feira, seu gabinete tornou pública a carta de renúncia, destinada à Assembleia Legislativa e ao Supremo Tribunal.
O governador, de 40 anos, que não aparece em público desde que deu uma coletiva de imprensa na terça-feira da semana passada, disse que será substituído pela secretária de Justiça, Wanda Vázquez.
No protesto desta quinta-feira, Marilyn Negrón, uma garçonete de 36 anos, não aceitava esta solução porque provém do próprio governo.
"Estou superfeliz com a renúncia de Ricky, mas não concordo em nada de que Wanda seja a próxima governadora", disse a mulher, com uma bandeira porto-riquenha pintada no rosto.
"O povo cansou, é tempo de que os políticos tenham medo, entendam que o povo não aguenta mais e que precisa que alguém venha representar Porto Rico de forma honrada", acrescentou.
Os protestos começaram quando um pequeno veículo de comunicação local, o Centro de Jornalismo Investigativo, divulgou em 13 de julho um chat no Telegram do qual participavam o governador e 11 homens de seu entorno.
Por ali, trocaram mensagens ofensivas sobre mulheres e homossexuais, bem como um deboche às vítimas do furacão Maria.
A brincadeira de mau gosto foi a gota d'água para os porto-riquenhos. Alguns dias antes - em 10 de julho -, a procuradoria havia acusado ex-funcionários do governo de Rosselló de desviar mais de 15 milhões de dólares destinados à recuperação do desastre.
Com 3,2 milhões de habitantes, este pequeno território americano no Caribe já estava quebrado quando, em setembro de 2017, dois furacões seguidos - Irma e Maria - arrasaram a ilha de ponta a ponta.
Os porto-riquenhos passaram meses sem energia elétrica ou água e precisaram esperar um ano para ter um número de mortos: 2.975, segundo o governo; mais de 4.600, segundo um boletim da universidade de Harvard.
Um dos manifestantes exibia um cartaz com a frase: "Tomara que nossos 4.645 mortos puxem seus pés, #RickyRenuncia".
As eleições serão celebradas em 20 de novembro de 2020, juntamente com as presidenciais americanas.
- Um movimento de artistas -
Um grupo de artistas porto-riquenhos liderou o movimento popular e espontâneo: Residente, o cantor Bad Bunny e o intérprete de "Livin' la Vida Loca", Ricky Martin, que é abertamente gay desde 2010 e uma das pessoas ridicularizadas no chat.
"Debocharam dos nossos cadáveres, debocharam da mulher, debocharam da comunidade LGBT, debocharam de toda a ilha", disse Martin ao convocar um protesto maciço na semana passada.
Solidaram-se com eles outros artistas porto-riquenhos como Luis Fonsi e Daddy Yankee - autores de "Despacito" -, o dramaturgo Lin-Manuel Miranda, o salseiro Marc Anthony e o ator Benicio del Toro.
Daddy Yankee ("Dura", "Gasolina") misturou-se à multidão na marcha de terça-feira, enquanto Ricky Martin chegou no teto de uma caminhonete e agitando uma enorme bandeira do orgulho gay. Na quarta-feira, somou-se ao movimento o cantor de reggaeton Nicky Jam, que antes estava em turnê.
O presidente da Câmara de Representantes, Johnny Méndez, suspendeu o processo de destituição que já tinha previsto iniciar na quinta-feira, ao considerar como válida a renúncia de Rosselló.
Um relatório de juristas, entregue à Câmara baixa, identifica cinco possíveis delitos no chat, entre eles desvio de recursos públicos e negligência.
Além disso, o Departamento de Justiça emitiu na segunda-feira ordens de apreensão para os 12 membros do chat, mas não deu detalhes porque a investigação ainda está em curso.
Antes do furacão, Porto Rico já padecia de uma grave crise fiscal e tinha se declarado em bancarrota em maio de 2017. O êxodo que se seguiu, somado ao desastre do furacão Maria, reduziu sua população em 4%.
* AFP