No dia originalmente programado para a despedida do Reino Unido da União Europeia (UE), o Parlamento britânico impôs nova derrota à primeira-ministra Theresa May e rejeitou nesta sexta-feira (29) o acordo do Brexit.
Trata-se do terceiro revés da líder conservadora. O Tratado de Retirada foi derrubado desta vez por 344 votos a 286 no final de uma série de votações caóticas.
Com o objetivo de terminar 46 anos de relações entre o Reino Unido e os seus parceiros europeus, o texto de 585 páginas — fruto de quase dois anos de árduas negociações com a União Europeia — previa um período de transição até ao final de 2020 para evitar uma separação radical.
Aprovar ao menos o termo de separação até o dia 29 era condição imperativa estabelecida pela UE para o Reino Unido poder permanecer no bloco até 22 de maio, ou seja, ter praticamente mais dois meses para organizar sua saída. Sem esse endosso dos deputados, Londres agora se vê diante do risco de ser ejetada do consórcio em 12 de abril, sem acordo, o que teria grande impacto na economia britânica.
Diante do resultado, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, convocou uma cúpula extraordinária de líderes para 10 de abril.
Solução de May
Para contornar a possibilidade de uma saída abrupta do Reino Unido e poder pleitear novo adiamento do Dia D do Brexit, o governo May teria de concordar em participar das eleições para o Parlamento Europeu, no fim de maio.
— As implicações da decisão desta Casa são sérias — disse May, em pronunciamento, logo após o anúncio do resultado. — Temo que estejamos alcançando o limite deste processo (de extração da UE) — completou.
A líder conservadora lembrou que os deputados rechaçaram o "no deal" (saída abrupta, sem acordo) e a revogação do Brexit, assim como todas as variações do pacto apresentadas em votação indicativa realizada na última quarta.
Apesar disso, May apresenta disposição para evitar uma ruptura em 12 de abril:
— Este governo continuará defendendo uma saída ordenada, conforme o resultado do plebiscito (de junho de 2016) demanda.
De seu lado, a Comissão Europeia, braço executivo da UE, afirmou, em comunicado, que o no deal é agora uma hipótese realista e que o bloco está pronto para enfrentar um eventual rompimento a seco.
O presidente do Conselho Europeu, colegiado que reúne presidentes e primeiros-ministros dos 28 países-membros do consórcio, convocou uma reunião de emergência para 10 de abril, dois dias antes da expiração do novo prazo para o adeus britânico.
As estratégias da primeira-ministra
Como última cartada para tentar emplacar o pacto negociado com a UE ao longo de 17 meses, a chefe de governo havia decidido só levar a votação o termo de separação, dotado de valor legal.
Nele estão fixados a multa de 39 bilhões de libras (R$ 202 bilhões) a ser paga por Londres pelo desligamento e a cartilha recíproca de direitos para cidadãos britânicos na UE e para europeus no Reino Unido, além do chamado período de transição pós-Brexit.
Durante esse último, que se estenderia ao menos até o fim de 2020, os britânicos permaneceriam no mercado comum e na união aduaneira da UE, mas sem poder de voto nos colegiados continentais.
Controvérsias
O termo de separação inclui a cláusula que sofreu forte rejeição de uma ala do Partido Conservador de May e para o Partido Democrático Unionista, da Irlanda do Norte.
A discórdia se deu em torno do mecanismo criado para evitar o restabelecimento do controle de pessoas e mercadorias na fronteira entre a República da Irlanda (país-membro da UE) e a Irlanda do Norte (que integra o Reino Unido), 20 anos após um acordo de paz que encerrou três décadas de conflito no Norte entre unionistas (pró-Londres) e nacionalistas (pró-reunificação irlandesa).
A ideia é estabelecer temporariamente uma união aduaneira cobrindo Reino Unido e UE, caso os termos da relação comercial futura entre as partes não estejam definidos até seis meses antes do fim do período de transição — ou seja, até julho de 2020. O grupo que se opõe à medida sustenta que ela deixaria Londres sob o guarda-chuva de entidades europeias por tempo indefinido.
Para tentar angariar o apoio da principal força de oposição, o Partido Trabalhista, cujas críticas ao pacote do Brexit se concentram na declaração política sobre as linhas mestras da relação comercial futura entre britânicos e europeus, o governo May decidiu deixar esse segundo texto, sem valor legal, fora da votação desta sexta-feira. A estratégia, no entanto, não funcionou.
O futuro do Brexit
Após o terceiro revés da proposta, o líder opositor Jeremy Corbyn disse que o acordo precisa mudar — ou, alternativamente, a primeira-ministra deve entregar o cargo e convocar eleições gerais.
O fatiamento do pacto foi o expediente encontrado por May para driblar o veto do presidente da Câmara, John Bercow, a uma nova apreciação pelo plenário. Ele havia argumentado que o regimento interno proibia duas consultas sobre a mesma proposta.
Antes de descolar o termo de separação da declaração política sobre a relação comercial futura com a UE, May tinha recorrido a outra manobra para aumentar a adesão a sua versão do Brexit: prometera entregar o posto de primeira-ministra se o Parlamento aprovasse o pacote.
Entre votações do plano de May, os deputados já foram convocados a se pronunciar sobre o acordo dez vezes desde o começo de 2019.
No primeiro dia de abril, o plenário deve acolher uma nova bateria de votos indicativos, já que na quarta-feira (27), nenhuma das oito proposições emplacou. O intuito, mais uma vez, é ver se alguma opção ao Brexit de May obtém a chancela da maioria dos parlamentares.