Recém-chegada a Madri, em fevereiro, a jornalista brasileira Karla Mendes foi involuntariamente incluída em uma conversa sobre o tema preferido dos espanhóis atualmente, a crise. Escutou, de um homem que não sabia de sua nacionalidade, uma das teses para a decadência econômica do país:
_ Muitos estrangeiros que vieram para cá nos últimos anos. Trouxeram suas famílias e tiraram emprego da gente.
Observações semelhantes têm tomado as ruas de diferentes países europeus sob fortes dificuldades financeiras e, em alguns casos, motivado um novo cerco contra a imigração.
Na Espanha do conservador Mariano Rajoy, os imigrantes ilegais já sentiram o peso dos cortes nos gastos públicos: a partir de agosto, terão os cartões de saúde invalidados e não poderá realizar consultas médicas. Poderão somente receber atendimento em emergências.
Difícil de ser mensurada, a resistência aos imigrantes foi traduzida em números na França, na semana passada, quando a candidata Marine Le Pen conseguiu o terceiro lugar (17,9% dos votos) nas eleições presidenciais com a bandeira de reduzir drasticamente a permissão para novos estrangeiros viverem no país. Desesperado para vencer, o presidente Nicolas Sarkozy flerta com ideais extremistas para conseguir a vitória contra socialista François Hollande, o favorito, cujas propostas imigratórias são mais brandas.
O contexto europeu põe em xeque o Tratado de Schengen _ que permite a livre circulação em 26 países da União Europeia. Em uma carta à Comissão Europeia há duas semanas, Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel pediram autonomia para restabelecer o controle de suas fronteiras. O acordo permite que um estrangeiro que ingressou em um dos países signatários não precise realizar novos trâmites alfandegários ao cruzar as fronteiras. Sua suspensão atacaria um dos fundamentos do bloco.
Em 2011, a suspensão do tratado havia sido seriamente cogitada. Após as revoltas Primavera Árabe a imigração aumentou em 35%, de aproximadamente 104 mil pessoas em 2009 e 2010, para cerca de 141 mil em 2011. A acolhida dos refugiados causou polêmica principalmente nos países vizinhos à Itália, que não desejavam os novos imigrantes adentrando suas fronteiras. A França chegou a interromper a ligação ferroviária com vizinho do sul para evitar que um grupo de tunisianos e de ativistas chegasse a Nice. Uma mensagem que continua viva um ano depois.
ENTREVISTA: "Existe preconceito"
Gisele Borges Estudante de mestrado em Comunicação na Sorbonne, em Paris
A publicitária gaúcha Gisele Borges, que faz mestrado em Paris há sete meses, aguarda o resultado das eleições para saber como proceder em relação aos estágios obrigatórios e a renovação do visto. Ela explica que uma das medidas de Sarkozy foi reduzir a possibilidade de estudantes estrangeiros realizarem estágios ou trabalharem em empresas.
Zero Hora _ Como é a relação dos franceses com os imigrantes?
Gisele Borges _ A relação deles com os latinos é muito mais amena e saudável do que com os muçulmanos. Mesmo que seja um país laico, com debate democrático, existe um preconceito contra a forma de vida deles, porque eles trazem suas culturas para cá, e essa relação se choca com a cultura laica francesa, que não admite determinadas segregações, como a relação com a mulher. É um debate que está na sociedade, mas não é totalmente público, é meio velado. Entretanto, no processo eleitoral, isso veio à tona.
ZH _ Qual a proporção de estrangeiros, por exemplo, nas aulas na Sorbonne?
Gisele _ Nas aulas de auditório, que chegam a ter 200 alunos, tem entre 60 e 70 alunos estrangeiros, entre franco fônicos e não franco fônicos _ é assim que somos tratados aqui. Quem é francofônico, entende a língua desde o início, é mais cobrado. O francês tem amor pelo seu idioma e é cobrado dele um francês qualificado. Acho que, até para o não-francofônico, acaba sendo melhor.
ZH _ Como a senhora avalia a quantidade de votos recebidos pela candidata anti-imigração?
Gisele _ A eleição, aqui, não é só o momento de escolher a pessoa em quem votar. É uma manifestação do consciente da população francesa. A eleição realmente reflete um sentimento. Por isso, o debate em torno dos imigrantes chama atenção. Muita gente que não se manifestou durante a campanha deu seu voto de protesto na Frente Nacional na urna.