O fato de um único urso merecer três memoriais em uma só cidade é discutível. Mas para Knut, o urso polar, essa honraria pouco comum, que alguns poderiam até considerar excessiva, está prestes a se tornar realidade.
Em dezembro, fãs inauguraram um monumento de mármore branco em comemoração ao quinto aniversário do ursinho mundialmente famoso no bairro de Spandau, que fica no extremo oeste da cidade. No Museu de História Natural, no centro de Berlim, representantes afirmam existirem planos em andamento para montar uma exposição em homenagem a Knut, com seus restos empalhados como peça central, apesar da controvérsia que isso causou. Além disso, o zoológico de Berlim planeja dedicar a ele uma estátua de bronze em março, no primeiro aniversário de sua morte.
Knut capturou a atenção do mundo depois de ser rejeitado por sua mãe ao nascer, em 2006, e alimentado com mamadeiras por cuidadores que salvaram sua vida. Na Alemanha, Knut se tornou uma obsessão nacional, e parece que continua sendo. A revista semanal Der Spiegel recentemente comparou-o a Jim Morrison e Kurt Cobain (Knut Cobain, na realidade), uma estrela fugaz, que morreu jovem.
Os alemães, aliás, costumam ser meio loucos por animais. No verão passado, Yvonne, uma vaca fugitiva, foi amplamente noticiada por suas andanças bovinas, assim como Paul, o polvo, que adivinhou corretamente os resultados de uma série de jogos durante a Copa do Mundo de 2010, entre eles a final. Uma gambá chamada Heidi ficou famosa apenas por ser vesga.
Enquanto isso, Berlim está ocupada com seus memoriais. Muitos são dedicados a questões extremamente sérias, como as duas Guerras Mundiais, o Holocausto e o muro que dividiu a cidade durante 28 anos. Mas a vontade de construir memoriais se estende para personagens mais leves do passado da cidade, como o Capitão de Koepenick, que vestiu um uniforme e liderou um grupo ingênuo de soldados em um assalto à prefeitura da cidade.
Portanto, talvez fosse inevitável que Knut fosse homenageado com diversos monumentos, especialmente porque a questão do ursinho se divide entre os devotos do "Knut Kult" e os administradores do zoológico, que os meios de comunicação locais chamam de aproveitadores desumanos.
- Não podemos deixar o pequeno Knut ser completamente esquecido - disse Karin Gude-Kohl, de 67 anos, que pagou do próprio bolso a maior parte dos US$ 5.000 para colocar a placa de pedra branca no cemitério de Spandau. O memorial fica ao lado do túmulo de seu amado treinador, Thomas Doerflein, que morreu aos 44 anos de idade, em 2008, com uma marca de pata e uma inscrição: "Em homenagem ao singular Knut".
- O pequeno era famoso no mundo inteiro - disse Gude-Kohl. - Ele rendeu 10 milhões de dólares para eles, e eles nem sequer construíram uma placa comemorativa.
Thomas Ziolko, presidente do conselho de Amigos do Parque de Animais e do Zoológico de Berlim, e diretor do comitê de seleção da estátua do zoológico, que conta com três membros, disse acreditar que o momento é perfeito.
- Um ser humano precisa estar morto há cinco anos antes que se possa batizar uma rua ou praça em sua homenagem - disse Ziolko. - Acho que, para um animal, um ano é um tempo razoável.
Ziolko lembrou que o urso polar não foi a primeira estrela do zoológico. Essa honra pertence a um gorila com o nome pouco teutônico de Bobby, que inspirou a canção popular "Mein Gorilla hat 'ne Villa im Zoo" (meu gorila tem uma casa de campo no zoológico). A canção continua a ser executada como um clássico do repertório popular alemão, e o símbolo do zoológico continua sendo um gorila. Após a sua morte, em 1935, Bobby foi empalhado e exposto no Museu de História Natural, além de contar com uma estátua no zoológico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o alvo de adoração foi um hipopótamo chamado Knautschke, que sobreviveu à guerra, ao frio e à privação, e que acabou tendo filhotes tanto na Alemanha Oriental quanto na Ocidental.
- Não sei quais são os critérios para que um animal se torne uma personalidade, mas precisa haver uma história por trás dele - disse Christoph Scheuermann, que escreveu a respeito da sobrevida do fenômeno Knut para a Der Spiegel. - Não basta ser um urso polar ou um hipopótamo bonitinho para se tornar uma personalidade.
Knut alcançou a fama em um momento em que o aquecimento global era um assunto em alta, e nasceu no mesmo ano do lançamento do filme "Uma Verdade Inconveniente", estrelado por Al Gore. A batalha pessoal do urso parecia refletir a de sua própria espécie. O irmão de Knut morreu depois que eles foram abandonados, mas a futura estrela foi salva por Doerflein, que se mudou temporariamente para o zoológico para cuidar dele.
Quando um ativista de direitos dos animais sugeriu que o fotogênico ursinho fosse sacrificado, Knut se tornou, da noite para o dia, uma celebridade ligada a uma causa. O ministro do meio ambiente da Alemanha tirou fotos com ele, e ele saiu na capa da revista Vanity Fair ao lado de Leonardo DiCaprio.
Mas toda a curta vida do urso parece ter sido perseguida por tragédias. Primeiro, seu treinador morreu de um ataque cardíaco. Depois, ele morreu afogado, na frente de centenas de espectadores, depois de cair dentro de uma piscina no cercado onde vivia, em consequência de um edema cerebral.
O desafio que se impõe ao comitê de seleção é como capturar em bronze a essência de um filhote de urso polar conhecido por sua aparência macia e fofinha e seu jeito brincalhão. Uma mesa de conferências no edifício administrativo de três andares da instituição está repleta de modelos, estatuetas e esboços de ursos polares, que foram inscritos no concurso para projetar a estátua que será colocada no zoológico de Berlim.
Em muitos dos projetos, ele está com uma pata erguida, acenando como um humano. Em outros, brinca com bolas ou se enrosca de costas, como se fosse ele mesmo uma bola. Em um dos modelos, um pequeno urso de cera derruba de forma brincalhona uma cesta de peixes enquanto uma borboleta pousa em seu traseiro.
Um dos artistas entregou pessoalmente uma escultura de aço, que pesa mais de 90 quilos, com um sinistro rosto em relevo nas patas traseiras do urso, que supostamente pertence ao seu falecido treinador, Doerflein.
Há três critérios para os projetos. Knut deve ser o filhote bonitinho que ganhou fama, e não o adolescente problemático dos anos seguintes, a estátua final deve ser em bronze e o custo não pode passar de 15.000 euros, ou cerca de US$ 20.000.
Apesar de se dizer impressionado com a qualidade geral das propostas, o elogio de Ziolko, que cresceu na Berlim Oriental assistindo ao famoso programa de televisão do diretor de zoológico, Heinrich Dathe, certamente não inclui todos os projetos. Segundo ele, em um dos projetos, o focinho do urso parecia uma focinheira de cachorro. Em outro, o animal parecia um sapo.
- As pessoas precisam reconhecê-lo como o Knut - disse Ziolko. - Não sou zoólogo, mas isso mais parece um urso-pardo - acrescentou, apontando para um dos modelos.
Um dos projetos mais promissores é o de Josef Tabachnyk, o artista que projetou a estátua do famoso chanceler e vencedor do prêmio Nobel, Willy Brandt, para a cidade de Nuremberg. Seu Knut de gesso está deitado, com a cabeça sobre a pata, no que seria um pedaço de granito no memorial acabado, contemplativo, tranquilo e finalmente em paz.