O Grupo de Investigação da RBS (GDI) acompanhou por duas manhãs a rotina dos contrabandistas de soja na fronteira entre Brasil e Argentina (assista vídeo acima). Com a prática ilegal, flagrada pela reportagem no noroeste do RS, o produtor escapa do pagamento de impostos de exportação que são cobrados na Argentina.
Apesar de a atividade ser desempenhada às claras, todo um aparato é mobilizado para avisar sobre a presença de forasteiros. Os portos são patrulhados por rapazes em motocicletas, munidos com radiocomunicadores — até porque inexiste sinal de celular no lado brasileiro destas barrancas do Rio Uruguai. Os atracadouros têm amarras para barcos permanecerem em segurança.
Uma das estratégias é cortar as sacas e deixar a soja solta, derramada no depósito. Isso para que o rótulo argentino dos invólucros não denuncie a origem contrabandeada do produto. Mas a tática perde para a pressa e muitos armazenam com saca estrangeira mesmo — usada depois como prova pelas autoridades para caracterizar o contrabando.
Os repórteres de GZH conseguiram registrar diversos barcos carregados de soja no vaivém do contrabando. Um dos vigias subiu de motocicleta um morro e desceu com motor desligado, observando. Em seguida, avisou os comparsas por rádio. Rapidamente, os barqueiros mudaram as rotas e esconderam três barcaças na mata ciliar, junto ao rio. Longe dos portos, em meio à lama.
Foi possível ouvir as conversas em espanhol dos estivadores, que atuam dos dois lados da fronteira. Os caminhões que estavam carregando soja também se esconderam às pressas nos sítios da região. Duas das três barcas foram resgatadas, antes que as autoridades chegassem. A terceira ficou largada à beira do rio, escondida em meio a árvores.
Pragas ingressam por falta de fiscalização sanitária
Além do prejuízo econômico, o contrabando de grãos traz riscos de novas pragas nas lavouras que podem até mesmo prejudicar as exportações brasileiras do grão para outros países. A Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural cita dois problemas no ingresso da soja ilegal: a entrada de pragas resistentes a herbicidas (como o caruru, uma erva daninha que compete com a soja) e também a presença de defensivos utilizados na Argentina e proibidos no Brasil.
Isso pode gerar rompimento de contratos de exportação para países clientes do Brasil. No país, o problema é coibido pela coleta de amostras do produto internalizado, por parte dos fiscais. Só que isso não acontece com grão contrabandeado.
— Só sabemos se tem praga quando o produto é introduzido de forma legal, via portos alfandegados. Evidente que isso não acontece, no caso do contrabando. Além dos tributos não pagos, há risco para a saúde pública — detalha Arlei Carlos Schons, auditor fiscal da Receita Federal em Santo Ângelo.
Grão ilegal ganhou apelido de "soja negra"
Foi em agosto de 2019 que o governo federal argentino anunciou um reajuste substancial no imposto de exportação de produtos agrícolas. A justificativa: "o campo é gerador de dólares para pagar a dívida da Argentina, algo central para manter a macroeconomia equilibrada", disse o então ministro da Agricultura do país, Luis Basterra.
A soja, que pagava 18% de imposto (retenciónes móviles) para ser exportada, ganhou alíquota de 33%. Em relação ao milho e ao trigo, a alíquota subiu de 6% para 9%. Houve também aumento no Imposto a las Ganancias (similar ao Imposto de Renda).
Elaborada para garantir receita governamental, a medida gerou um grave efeito colateral: incremento no contrabando da soja, que é apelidado de "soja negra".
Vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), o gaúcho Décio Teixeira pondera que o contrabando envolve diversos fatores:
— É desespero do produtor argentino. O principal é a questão tributária, um descalabro no país vizinho. Os impostos são muito altos lá e eles tentam trazer para cá, para não vender com prejuízo, para vender no preço do Brasil. Tem muito brasileiro que produz na Argentina e tenta trazer para cá. Agora, esse volume de apreensões me surpreende (444 toneladas no primeiro semestre de 2023). É muito alto, duvido que passe tudo isso de canoa. O que pode estar ocorrendo aí é que algum produtor seja enquadrado como contrabando por ter problema no bloco de produtor. Em relação a questão sanitária, não vejo problema, porque a soja que plantam lá é a mesma que plantamos aqui. A soja é examinada antes de entrar na cooperativa e eles usam os mesmos defensivos que usamos aqui.
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